Depois de dois anos de negociações, entre períodos de maior avanço e outros em que a transação quase foi por água abaixo, a Mobly e os controladores da Tok&Stok chegaram a um acordo para fusão das operações. A transação foi assinada no início do dia 09 de agosto (sexta-feira), ao mesmo tempo em que foi protocolado um plano de recuperação extrajudicial da dívida da Tok&Stok.
A companhia passa a somar 70 lojas e uma receita anual de R$ 1,6 bilhão, tornando-se uma das maiores redes varejistas especializadas em móveis no país, destaca Victor Noda, CEO da Mobly, ao Pipeline. A Casas Bahia, por exemplo, tem mais unidades, mas com forte atuação também em eletrônicos, enquanto a MadeiraMadeira tem cerca de 90 lojas, mas vende também materiais de construção. Tok&Stok e Mobly são focadas em mobiliário e decoração.
Listada no Novo Mercado da B3, a Mobly vai fazer um aumento de capital para incorporar as ações detidas na Tok&Stok por fundos geridos pela SPX (antes nas mãos da gestora Carlyle). A transação avalia a Tok&Stok em R$ 112 milhões, enquanto a Mobly vale em bolsa atualmente R$ 322 milhões – mas a relação de troca não foi feita com base na cotação. Enquanto em tela a ação a Mobly vale R$ 3,05, a transação considera um preço de exercício de R$ 4,00.
Assim, os atuais controladores da Tok&Stok vão ficar com 12% da nova Mobly e, com um bônus de subscrição de meia ação para cada papel, o que significa que poderão adicionar uma posição de mais 6% na empresa entre o segundo e o terceiro ano pós acordo, ao preço de exercício de R$ 9,00.
—É uma transação sem troca de caixa, sem preço de tela, em que a gente buscou atribuir valores às empresas conforme as mesmas variáveis, como múltiplo de margem, de receita, valor patrimonial —diz Marcelo Marques, CFO da Mobly.
Uma debênture conversível detida pelo Carlyle contra a Tok&Stok, no montante de R$ 101 milhões, também pode ser convertida em ações da Mobly até o vencimento dos títulos, que acontece em 2034, também a R$ 9 por ação. A Mobly também tem o direito de pré-pagar essa dívida.
A Mobly e a SPX já anteciparam a negociação com credores e, nos últimos quatro meses, conseguiram assegurar apoio da maioria na dívida bancária de R$ 364 milhões. Os juros terão carência de um ano e o principal 1,8 ano, com a quitação começando em janeiro de 2028 e percentuais distribuídos até janeiro de 2034. Os bancos credores têm a opção de converter a dívida em ações da nova Mobly, em qualquer momento até 2029, pelo maior preço entre R$ 9 por ação e a cotação de mercado.
Com a reestruturação, a Mobly ficará com uma dívida líquida na casa de R$ 450 milhões. No primeiro trimestre, dado mais recente, a companhia somava caixa e recebíveis de cartão de R$ 185 milhões.
—O motivo pelo qual sempre quisemos juntar os negócios é que as duas empresas são complementares estrategicamente— diz Noda. “A Tok&Stok é uma marca fortíssima, com sortimento de produtos exclusivos, margem acima da média de mercado por um relacionamento forte com o consumidor e a experiência da loja física. A Mobly tem uma força grande em tecnologia e em logística, com a própria transportadora.”
A logística é um dos itens calculados pela consultoria Bain&Company para a sinergia após a incorporação, além de economia de backoffice, junção de armazéns, e uma verticalização da Mobly em produção que pode ser ampliada para Tok&Stok. A conta é de um adicional de fluxo de caixa anual entre R$ 80 milhões a R$ 135 milhões num rump-up de cinco anos.
—A gente vem se falando há anos e por alguns motivos não dava certo. Mas agora essa equação fechou, com as sinergias no aspecto econômico e no financeiro, com a reestruturação da dívida da Tok&Stok— diz Noda. A companhia também está avaliando quanto conseguirá utilizar de créditos fiscais, algo que deve ficar entre R$ 50 milhões e R$ 100 milhões.
Ambas têm lidado com desafios de balanço. Mas a transação, para a Mobly, pode abrir um caminho rumo à lucratividade, que parecia fechado– a linha final do balanço nunca ficou no azul, segundo os balanços publicados desde o IPO, no início de 2021. No primeiro trimestre, o prejuízo foi de R$ 21 milhões.
Já para os acionistas da Tok&Stok, o gosto é mais amargo.
O casal de fundadores, Regis e Ghislaine Dubrule, vinha se opondo à transação – mas, com posição minoritária e sem acordo de acionista com o fundo de private equity, não tem poder de veto. Agora, terão duas opções: ou aderem ao acordo nos mesmos termos, ficando com cerca de 8% da nova empresa e um lock-up de dois anos. Ou não aderem e terão 39,9% de uma subsidiária da Mobly.
Além disso, os fundadores compraram recentemente uma dívida da varejista das mãos do Itaú, para ter voz entre os credores — dívida que vai ser arrastada agora na recuperação extrajudicial.
—Tivemos duas interações com a família, uma para conhecê-los e outra para apresentar o modelo da Mobly —conta o CFO. “Não temos briga com ninguém e nosso objetivo é que a família abrace o deal, já que a gente valoriza muito a expertise deles.”
Para o Carlyle, o investimento em busca de alta rentabilidade se mostrou oneroso para os cotistas. O fundo pagou R$ 700 milhões por 60% da Tok&Stok – o que avaliou a varejista, há 12 anos, em R$ 1,17 bilhão. Mesmo que as ações da Mobly se valorizem, o saldo será negativo para o fundo. Depois de algumas tentativas de venda, no entanto, o acordo ajuda a dar liquidez à posição em bolsa após o período de lock-up.
—Temos convicção de que foi a melhor forma de criar valor nas duas companhias —disse, em nota, Fernando Borges, que foi o chefe da operação do Carlyle no país e hoje é sócio da SPX em private equity.
A expectativa é que a incorporação seja efetivada no quarto trimestre. Há condições precedentes, como a aprovação em assembleia da Mobly (garantida pelo controlador, a holding alemã Home24, que tem 51,16% do capital) e a aprovação do plano de reestruturação extrajudicial no TJ-SP. O acordo prevê um break-up fee da Mobly à SPX de R$ 20 milhões.|F&A