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29/08/2023

O manual do fracasso da economia brasileira

Se o crescimento econômico está em risco, como acreditar na bolsa?

O Brasil adota um modelo econômico que agoniza. País de industrialização tardia, criou estatais para resolver o problema. Políticas públicas tentam consertar a histórica desigualdade social: saúde universal, programas de renda mínima, educação gratuita, apoio à cultura, aposentadoria para a população de baixa renda, seguro-desemprego. Bancos públicos subsidiam juros para o setor produtivo.

A ideia do Estado provedor é forte no inconsciente coletivo. Mas o Estado não produz, apenas distribui o que coleta. Essa estrutura custa caro.

O governo vitorioso em 2022 acredita no modelo fracassado, esquecendo-se que as alternativas para cobrir os gastos públicos são cada vez mais limitadas. No último sábado, um importante portal de notícias destacava: “Governo Lula derrapa no arcabouço e depende de barganha no Orçamento”.

A equação da restrição orçamentária do governo, a seguir, indica as opções para o financiamento dos gastos públicos. Embora pareça complicada, a equação é intuitiva.

g = t + b’ – (r – n)b + (π +n)m + m’, sendo:

g = gastos do governo;

t = arrecadação tributária;

b’ = emissão líquida de títulos públicos;

r = taxa de juros reais (juros nominais menos inflação);

n = taxa de crescimento real do PIB;

b = estoque de títulos públicos;

π = inflação;

m = estoque de moeda na economia;

e m’ = emissão de moeda

O financiamento dos gastos públicos (o “g”) pode ser feito de três formas: inflação (π), endividamento (b´) e tributos (t).

Entre os anos 60 e 90, o governo financiou a expansão primordialmente com inflação. Enquanto as despesas públicas eram corroídas com a perda do valor da moeda, as receitas com tributos sofriam menos, gerando um ganho inflacionário para o governo que contribuía para arcar com os gastos públicos. A espiral inflacionária corroía o poder de compra da população, especialmente a de baixa renda e desestruturava o sistema produtivo.

Debelar a inflação foi o principal tema da eleição de 1989. A sociedade mostrava estar cansada. O Plano Real foi eficaz em reduzi-la, mas criou um problema: como continuar financiando o incremento dos gastos públicos impostos pela Constituição de 1988?

A solução foi elevar os tributos (t). Essa estratégia começou com o governo FHC e continuou nos primeiros dois governos Lula. Mas a sociedade, mais uma vez, mostrou-se desconfortável. Em 2007, o Senado derrubou a CPMF, tributo calculado sobre as transações bancárias. Outra forma de financiamento atingia seu limite.

A busca por popularidade fez com que os gastos continuassem crescendo, só restando ao governo Dilma utilizar a última alternativa “fácil” para se financiar: elevar o endividamento. O aumento da dívida ocorria com a transferência de recursos do Tesouro para os bancos públicos a fim de financiar projetos subsidiados como o Minha Casa, Minha vida e o PSI (programa de sustentação de investimentos).

O endividamento atingiu níveis elevados para um país emergente, superior a 70% do PIB. A inflação começou novamente a se manifestar e o governo a fim de manter o preço dos combustíveis estável fez com que a Petrobras arcasse com a diferença entre o preço do produto importado e o vendido internamente. A dívida da Petrobras elevou-se de forma perigosa. O valor da empresa em bolsa despencou. Essa agenda foi danosa para o crescimento econômico.

A partir de 2017, governos com agenda mais liberal tentaram conter os gastos pelo caminho menos popular: conter os gastos públicos. A alternativa parecia funcionar com o endividamento público caindo apesar da maior crise de saúde em 100 anos. O PIB começava a ensaiar uma recuperação com os investimentos privados aumentando. O balanço da Petrobras foi recuperado.

Após esse passeio na história, chegamos ao atual governo, que traz de volta a agenda do insucesso: a da interferência na economia e a expansão dos gastos públicos.

Programas públicos sem qualquer evidência de que proporcionam crescimento voltam como o PAC. A agenda de privatizações foi congelada. Ingerência em fundos de pensão e companhias privadas listadas como Tupy e Vale voltam ao noticiário.

Após décadas de elevação dos gastos, a realidade bate à porta. As três opções de financiamento adotadas até 2017 e que voltam agora se exauriram. Os gastos do governo precisam reduzir. Por isso, a reforma da Previdência e a agenda de privatizações foi tão importante nos últimos anos. O crescimento econômico, que contribuiria para financiar os gastos, não ocorrerá com as finanças públicas em frangalhos e com elevada dívida.

O Estado forte do imaginário popular é apenas gordo e sedentário. Se o crescimento econômico está em risco como acreditar nas empresas brasileiras e, por conseguinte, na bolsa de valores? É a pergunta que deixo para os otimistas gestores e economistas dos podcasts.

. Por: André Rocha, bacharel pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre em economia pela FGV/EPGE, advogado e analista certificado pela Apimec. | VI