Os números divulgados pelo Ministério da Educação, Ciência e Inovação de Portugal para o ano letivo de 2024/2025 mostram uma realidade que vem ganhando força: os estudantes brasileiros já representam 49,5% do total de estrangeiros matriculados nas escolas públicas portuguesas. São 88.159 alunos brasileiros, de um universo de 178.133 estudantes imigrantes, o que significa que praticamente uma em cada duas crianças estrangeiras que estudam na rede pública é brasileira.
Esses dados são reveladores não apenas pelo movimento migratório crescente, mas também na necessidade de adaptação do sistema jurídico, social e educativo português. A Constituição de Portugal garante a todos o direito fundamental à educação, sem discriminação, e o país, como signatário da Convenção sobre os Direitos da Criança, assume uma responsabilidade ainda maior nesse cenário.
O crescimento expressivo da presença de estudantes brasileiros traz consigo uma série de desafios práticos. Embora compartilhem a mesma língua, as diferenças de variante do português, os sotaques e até lacunas no domínio formal podem dificultar tanto a integração quanto a aprendizagem. Isso exige projetos pedagógicos mais inclusivos, que reconheçam a diversidade linguística sem estigmatização.
Outro ponto central é a integração cultural e identitária. Crianças e adolescentes brasileiros podem enfrentar choques culturais ou até episódios de preconceito, o que torna essencial a promoção de um ambiente escolar baseado no respeito, na diversidade e na valorização das diferentes culturas. Para que isso seja possível, professores precisam estar preparados para lidar com realidades plurais, o que demanda formação contínua e recursos adicionais.
Do lado jurídico e administrativo, surgem obstáculos como a demora no reconhecimento de equivalência de estudos feitos no Brasil ou a dificuldade no acesso a determinados apoios sociais quando a situação migratória das famílias ainda não está regularizada. É importante simplificar processos e garantir que a frequência escolar não fique dependente de burocracias excessivas.
Do ponto de vista social, os riscos incluem o aumento de desigualdades educacionais caso não sejam oferecidos os apoios necessários, além da possibilidade de segregação informal em escolas com elevada concentração de alunos imigrantes. Há também a preocupação com estigmatização e discriminação.
Por outro lado, o cenário abre oportunidades significativas. A diversidade cultural dentro das salas de aula portuguesas pode promover maior empatia, compreensão mútua e inovação pedagógica. Além disso, num país marcado pelo envelhecimento populacional e pela baixa taxa de natalidade, a chegada de famílias imigrantes, em sua maioria jovens, contribui para o rejuvenescimento demográfico e para o equilíbrio do sistema educativo.
O Estado português é o principal responsável por assegurar o direito à educação e, por isso, deve alocar recursos, fortalecer políticas de inclusão e investir em formação docente. As escolas privadas, ONG’s e associações comunitárias também podem desempenhar papel relevante, oferecendo programas de tutoria, apoio linguístico e integração cultural.
As próprias famílias imigrantes, por sua vez, precisam ser vistas como agentes ativos no processo, participando da vida escolar, colaborando com professores e exigindo os direitos de seus filhos. A integração plena só acontece quando todos os atores envolvidos assumem responsabilidades conjuntas.
A expressiva presença de alunos brasileiros nas escolas portuguesas também tem impacto político. Questões migratórias tendem a ganhar espaço no debate público, podendo ser instrumentalizadas por discursos populistas ou, em contrapartida, servir de base para políticas de inclusão mais robustas.
Do ponto de vista diplomático, a relação Brasil-Portugal adquire relevância adicional, com implicações em acordos bilaterais, reconhecimento de diplomas, apoio consular e parcerias para facilitar a integração de famílias brasileiras no sistema português.
Mais do que um problema, os números revelam um chamado à ação. A educação é um direito humano fundamental, e garantir a equidade educacional para todos os alunos, portugueses e imigrantes, exige visão estratégica, políticas públicas consistentes e sensibilidade social.
A presença majoritária de alunos brasileiros não deve ser vista como ameaça, mas como uma oportunidade de Portugal afirmar-se como um país inclusivo, inovador e aberto ao futuro. Essas crianças e adolescentes são parte integrante da sociedade portuguesa e devem ter condições reais de aprender, pertencer e progredir. A diversidade deve ser entendida como valor agregado, e não como obstáculo.
• Por: Luciane Tomé, advogada especialista em direito de nacionalidade portuguesa, representante da Fundação Luso Brasileira, no Brasil.