danielle-campello2

16/09/2025

IA Generativa e Direitos Autorais — Entre a Proteção da Criação e a Liberdade para Inovar

A discussão sobre a regulação da Inteligência Artificial (IA) no Brasil avança em complexidade e relevância. A Comissão Especial sobre Inteligência Artificial da Câmara dos Deputados promoveu um debate técnico sobre o Projeto de Lei 2338/2023, com foco nos impactos da IA generativa sobre os direitos autorais, tendo como ponto central das discussões foi o treinamento de modelos de IA, que exige a mineração de dados em larga escala (Text and Data Mining – TDM).

Esse processo não envolve a cópia literal de obras, mas sim a aprendizagem estatística, em que os algoritmos assimilam padrões para gerar novos conteúdos. Apesar disso, a proposta do artigo 62 do PL, ao exigir o detalhamento de todas as obras usadas nos bancos de dados, foi amplamente criticada por sua inviabilidade técnica e risco de inviabilizar a inovação.

Um caminho alternativo, defendido por especialistas e que considero mais proporcional, é a substituição dessa exigência por um sumário dos data sets utilizados, associado ao modelo de opt-out: autores que não desejarem a inclusão de suas obras no treinamento poderiam sinalizar essa restrição de forma clara e legível por máquina. Essa solução equilibra transparência, liberdade de escolha dos criadores e viabilidade tecnológica.

Outro ponto fundamental é reconhecer que treinamento não equivale a uso direto de obras protegidas. A proposta de um conceito de fair training ajuda a esclarecer essa diferença: os dados funcionam como insumos técnicos para aprendizado, sem reprodução integral, de forma análoga ao processo humano de assimilação e generalização. Assim, a responsabilização e eventual remuneração devem recair apenas sobre os outputs quando estes reproduzirem ou competirem diretamente com obras autorais.

Entidades de gestão coletiva e representantes da imprensa, no entanto, defenderam a remuneração tanto pelo input quanto pelo output. Ainda que legítima, essa demanda esbarra em dificuldades práticas já enfrentadas em outros países, como a impossibilidade de identificar com precisão todas as obras utilizadas em bases massivas de dados.

Um excesso regulatório, nesse contexto, pode trazer sérios riscos: encarecimento do desenvolvimento de IA, afastamento de investimentos e concentração do poder tecnológico em empresas estrangeiras. Isso comprometeria não apenas a soberania digital, mas também as oportunidades econômicas de autores, pesquisadores e startups brasileiras.

O desafio, portanto, é construir um marco regulatório que concilie a proteção dos criadores com a liberdade para inovar, garantindo segurança jurídica e eficiência econômica. O PL 2338/2023 representa uma oportunidade histórica para que o Brasil adote um modelo equilibrado, inspirado em boas práticas internacionais, mas adequado às nossas necessidades e ao potencial de inovação nacional.

Mais do que restringir, a lei deve incentivar acordos espontâneos, fomentar a transparência e criar mecanismos objetivos de responsabilização para outputs infrativos. Só assim será possível estabelecer um ambiente regulatório moderno, que proteja a criação intelectual sem sufocar a inovação tecnológica que pode transformar a economia e a sociedade brasileira.

Por: Danielle Campello, especialista em Direito Digital do Di Blasi, Parente & Associados.