O anúncio do Plano Safra 2025/26, com R$ 516,2 bilhões destinados ao crédito rural, acendeu expectativas em torno da próxima temporada agrícola. Mas, por trás do número expressivo, há nuances que exigem atenção. O aumento de apenas 1,5% em relação ao programa anterior sequer cobre a inflação do período, o que impõe ao produtor rural um olhar mais criterioso sobre a real disponibilidade e viabilidade do crédito.
É verdade que, neste momento, não enfrentamos os impactos e perdas de eventos climáticos extremos. Isso representa um respiro importante para o setor, que já convive com margens apertadas e incertezas constantes. No entanto, o cenário macroeconômico e político ainda impõe riscos significativos. A Selic permanece elevada, e as taxas de juros no novo plano, que chegam a 14% ao ano em algumas linhas, podem comprometer a saúde financeira de muitos empreendimentos rurais.
A conta é simples, mas o impacto pode ser devastador: juros mais altos significam prestações maiores. E quando combinamos isso à imprevisibilidade dos preços das commodities e ao aumento dos custos de insumos, especialmente fertilizantes, cuja cadeia de fornecimento global segue tensionada por conflitos internacionais, há mais riscos de inadimplência.
Nesse contexto, a questão crucial é planejamento. E não falo apenas de planilhas financeiras. Refiro-me à estratégia jurídica, análise de riscos e clareza sobre a real capacidade de pagamento. O crédito rural é uma ferramenta poderosa, mas, quando mal utilizada, pode transformar-se em armadilha.
O novo Plano Safra também ampliou o alcance do Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp), elevando o limite de renda para enquadramento de R$ 3 milhões para R$ 3,5 milhões anuais. Isso permitirá que mais produtores médios acessem recursos com taxas subsidiadas. A medida é bem-vinda, mas exige maturidade na tomada de decisão. Contratar crédito não pode ser ato impulsivo, nem resposta automática à expectativa de expansão.
Cada contrato precisa ser analisado à luz das particularidades do negócio. Quais são os custos fixos e variáveis? Há previsão de volatilidade nos insumos? Como está o histórico de produtividade da propriedade? E, principalmente: o que pode acontecer se o cenário mudar, como de fato, quase sempre acontece hoje no Brasil e no mundo?
O novo Plano Safra prevê, ainda, recursos para renegociação de dívidas anteriores. Trata-se de uma medida necessária, mas que deve ser encarada com a mesma cautela. Renegociar sem levar em conta a real capacidade de pagamento é apenas adiar o problema ou agravá-lo. Cláusulas mal compreendidas ou prazos mal ajustados têm levado muitos produtores ao Judiciário por absoluta falta de planejamento prévio.
Precisamos considerar o que está por vir. O próximo ciclo agrícola coincidirá com um ano eleitoral, em um ambiente político altamente polarizado. A instabilidade institucional e os ruídos no cenário internacional, como as guerras em curso no mundo, podem afetar diretamente o agronegócio brasileiro, seja nos custos, seja nas exportações, seja no acesso a crédito.
Diante de tudo isso, é imprescindível que o produtor rural busque apoio técnico e jurídico desde o início do processo de financiamento. A assessoria especializada ajuda a identificar riscos contratuais, renegociar condições e, principalmente, estruturar decisões alinhadas com a realidade de cada negócio.
Em um país onde o agronegócio é motor da economia, é fundamental que o crédito rural seja um instrumento de fomento e não um vetor de crise. Para isso, a responsabilidade na contratação deve ser proporcional à complexidade do contexto. Planejar neste momento, é vital para quem quer produzir com segurança, evitar litígios e manter a sustentabilidade financeira de sua atividade.
• Por: Daniel de Souza, pós-graduado em Direito Bancário e advogado do Reis Advogados.