Adaptar métodos consolidados é o caminho prático para acelerar a reindustrialização nos Estados Unidos.
A reindustrialização dos Estados Unidos traz oportunidade e urgência: traduzir ferramentas corporativas consolidadas em versões enxutas, treináveis e mensuráveis para pequenas e médias indústrias. Esse é o caminho para previsibilidade, conformidade e acesso a crédito.
Ela representa uma janela relevante de oportunidade para investimento, inovação e crescimento produtivo. Mas, ao mesmo tempo, evidencia um problema recorrente em muitas pequenas e médias empresas industriais, como a ausência de rotinas financeiras previsíveis, auditáveis e comparáveis. Apesar do ecossistema americano dispor de tecnologia de ponta e capacidade produtiva, nas PMEs persistem fragilidades operacionais, processos fragmentados, uso parcial de ERPs e a falta de um núcleo mínimo de indicadores e controles padronizados, que reduzem a eficiência e a capacidade de crescimento.
Minha experiência em finanças corporativas, M&A, contabilidade, governança tributária, riscos, compliance e controladoria em multinacionais do setor industrial mostra que o diferencial não está em inventar novos conceitos. O que transforma realidades é tornar acessível aquilo que já funciona nas grandes operações como traduzir métodos consolidados em versões enxutas, documentadas e acompanhadas de passos claros de implementação e medição. Em outras palavras, o que muda o jogo para as PMEs é a simplicidade aplicada com rigor.
Ferramentas práticas: o que precisa estar disponível para as PMEs — A adaptação desses métodos para empresas de menor escala passa por um conjunto de instrumentos práticos, testados em grandes grupos e agora repensados para operação em contextos com menos recursos:
Catálogo de KPIs: um conjunto mínimo de indicadores para fechamento contábil, ciclo de caixa, custo de produto, acurácia de estoque, eficiência de compras e conformidade fiscal. Cada KPI deve vir com definição, fórmula, origem dos dados e periodicidade, alinhado a US GAAP e às práticas de controles internos associadas a SOX, quando aplicável.
Matriz de riscos e controles por ciclos: mapas de objetivos de controle para receita, compras, folha, imobilizado e fiscal, com descrição da atividade, frequência, além de roteiros de teste e trilhas de auditoria. Esses artefatos tornam a governança prática e testável.
Playbooks de ERP: roteiros de configuração e uso para módulos financeiro, controladoria e custos, com foco em parametrizações que aumentem rastreabilidade, segregação de funções e qualidade de dados. O conteúdo deve ser agnóstico de fornecedor, mas indicar caminhos práticos em plataformas comuns entre PMEs americanas, como NetSuite, Microsoft Dynamics, QuickBooks Enterprise ou versões mid-market de SAP, sempre priorizando configurações que o cliente possa sustentar.
Checklists de conformidade e política interna: templates de políticas, fluxos de aprovação, segregação de funções, registros e evidências, com instruções de guarda documental e preparação para auditorias externas ou processos de due diligence.
Padrões de relatórios e painéis: estruturas de reporte mensal, trimestral e anual com instruções para cálculo e reconciliação, priorizando comparabilidade ao longo do tempo e entre unidades.
Esses instrumentos já circulam no mercado americano em versões completas. O avanço que proponho é formatá-los para contextos de menor escala reduzindo tempo de implantação e dependência de projetos longos sem perder rastreabilidade e consistência.
Por que isso melhora o que existe hoje — A implementação de um pacote básico e estável de KPIs e controle reduz a variabilidade entre plantas e encurta o ciclo de fechamento. Playbooks de ERP orientados a evidências geram trilhas de auditoria e melhoram a confiabilidade dos dados, elevando a confiança em relatórios e facilitando a preparação para auditorias externas. Painéis operacionais e testes periódicos tornam visível a aderência a processos, permitindo correções de rota com custo menor e registro objetivo de conformidade.
Na prática, essas mudanças deveriam resultar em maior previsibilidade de caixa, redução de retrabalho contábil e aumento da prontidão das PMEs para expansão orgânica, operações de M&A e contratação de crédito, tudo isso sem demandar aumento desproporcional da estrutura administrativa.
Como executar na prática: diagnóstico, implantação e monitoramento A adoção pode ser operacionalizada em três etapas, cada uma com documentação e métricas claras:
Diagnóstico: aplicação de um Índice de Saúde Financeira (FHI) para mapear lacunas de governança e priorizar frentes de trabalho por impacto e esforço. O FHI deve conter critérios públicos, escaláveis e simples de aplicar, com pontuações que orientem o plano de ação.
Implantação: entrega de kits padronizados contendo catálogo de KPIs, matrizes de risco e controle, playbooks de ERP e checklists de conformidade. Os kits vêm acompanhados de treinamento no formato train the trainer para a equipe do cliente e de um plano de 90 dias com marcos objetivos e indicadores de sucesso.
Monitoramento e consolidação: uso de painéis e auditorias internas periódicas com registro de evidências, ajustes de parametrização conforme lições aprendidas e institucionalização das rotinas por meio de políticas e calendários de fechamento.
O plano que proponho prevê um projeto-piloto ao longo dos dois primeiros anos para validar e ajustar os kits em escala, com meta de alcançar 100 PMEs industriais nos Estados Unidos. A versão essencial do FHI e a documentação de uso serão disponibilizadas em formato público para permitir autoaplicação por empresas e associações setoriais, favorecendo adoção por clusters industriais.
Fundamentação prática Ao longo de minha trajetória, conduzi recuperações tributárias superiores a R$ 150 milhões, implementei ERPs de grande porte em operações complexas com SAP e Totvs e participei de estudos ligados a planos de expansão industrial superiores a R$ 700 milhões em Capex. Esses resultados foram obtidos com metodologias de governança, padronização de processos e medição objetiva de desempenho, insumos que hoje podem ser traduzidos em versões enxutas e replicáveis para as PMEs americanas.
Conclusão — A reindustrialização dos EUA precisa ser acompanhada por uma base de governança que torne investimentos reaplicáveis e financiáveis em escala. Adaptar métodos consolidados, e não inventar outros, é o caminho mais direto para transformar boas práticas em procedimentos mensuráveis e repetíveis, capazes de gerar ganhos sistêmicos e duradouros para a cadeia produtiva. Se bem implementada, essa abordagem amplia a capacidade das PMEs de competir, investir e crescer de forma sustentável.
• Por: Elton Lemos, especialista em finanças corporativas, M&A, governança tributária, riscos e compliance.