A imposição de tarifas de 50% pelos Estados Unidos sobre produtos brasileiros está forçando uma transformação acelerada no setor de seguros agrícolas. Estima-se que as perdas nas exportações cheguem a US$ 5,8 bilhões, com redução de 48% na receita dos exportadores, segundo levantamento da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Esse impacto não se limita às grandes empresas exportadoras, pois ele chega ao produtor rural em todas as pontas da cadeia, reduzindo a margem e comprometendo a capacidade de investimento. A queda na renda dos produtores compromete diretamente a capacidade de manter seguros rurais, justamente em um momento de maior volatilidade climática e de mercado. Ou seja, as tarifas comerciais acentuam um risco externo, enquanto os eventos climáticos extremos ampliam o risco interno, e ambos recaem sobre um sistema de seguros que já vinha fragilizado.
O cenário se agrava com o corte de 42% no orçamento do Programa de Subvenção Rural, que reduziu a área segurada de 14 milhões para 7 milhões de hectares, de acordo com dados do Ministério da Agricultura e da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg). Isso significa que metade da área antes protegida ficou desassistida em poucos anos, um recuo que deixa milhões de hectares suscetíveis a perdas sem nenhum respaldo financeiro. Para o produtor, o impacto é direto: sem incentivo público, o seguro se torna caro; sem seguro, qualquer evento climáticos ou queda de preço pode ser fatal financeiramente. Sob esse novo cenário econômico, os modelos tradicionais de seguro agrícola não suportam esse nível de pressão e a digitalização do setor deixa de ser opcional, tornando-se uma estratégia de sobrevivência.
Tecnologias como inteligência artificial, Big Data, monitoramento por satélite, drones e seguros paramétricos podem reduzir custos e permitir cobertura mais rápida e precisa. Startups brasileiras já demonstram que processos automatizados podem reduzir custos em até 90% e aumentar transparência. Essas soluções digitais permitem mapear áreas em tempo real, estimar parâmetros de produtividade, avaliar risco por microclima e emitir apólices com base em dados objetivos, o que torna o seguro mais justo e viável mesmo sem subsídio público. Em vez de depender apenas da visita presencial de peritos ou de dados históricos do passado, o setor pode operar com dados climáticos vivos, imagens remotas e gatilhos automáticos de indenização. Isso reduz fraudes, agiliza pagamentos e aumenta a confiança do produtor, tornando o setor mais resiliente diante de crises comerciais e climáticas.
Embora alguns questionem se a adoção rápida de tecnologia é viável em um mercado tradicional, a experiência mostra que crises antecipam transformações. Em outras áreas do agronegócio, como crédito rural e gestão de propriedades, plataformas digitais se tornaram a regra após períodos de restrição financeira e seca prolongada. A pressão sobre receita e subsídios cria um ambiente de inovação forçada, no qual seguradoras que resistem à modernização podem perder competitividade e capacidade de atendimento. Regiões mais dependentes do mercado americano, como Sul e Sudeste, e culturas que lideram as exportações, como café e carne bovina, serão as mais impactadas, reforçando a necessidade de soluções ágeis e tecnológicas para sustentar a produção e evitar um recuo ainda maior no seguro rural.
A crise comercial, portanto, não apenas evidencia fragilidades do seguro agrícola, mas também pode acelerar uma revolução digital que levaria décadas para ocorrer naturalmente. Sistemas de precificação dinâmica, emissão rápida de apólices e plataformas digitais para democratizar o acesso ao seguro podem transformar o setor, mitigando riscos financeiros e fortalecendo a resiliência do agro brasileiro em meio a desafios de mercado e clima. Se o Brasil conseguir integrar inovação tecnológica ao seguro agrícola com escala, poderá não apenas reduzir a dependência de subsídio público, mas também criar um novo padrão de gestão de risco rural, mais compatível com os desafios do século XXI.
• Por: Rodrigo Zuini, CTO da Picsel, com mais de 20 anos de experiência em tecnologia, dados e transformação digital. Atuou globalmente em projetos de larga escala e liderou times de alta performance em empresas de diversos setores.