Em 1835, Alexis de Tocqueville publicava “A democracia na América: leis e costumes”, o primeiro de dois tomos acerca de um dos processos históricos mais inovadores do século XIX. Seus últimos parágrafos profetizaram um dos grandes movimentos geopolíticos da modernidade. Segundo o aristocrata francês, “há hoje na Terra dois grandes povos que, partindo de pontos diferentes, parecem avançar rumo ao mesmo objetivo: os russos e os anglo-americanos”.
Ainda de acordo com Tocqueville, EUA e Rússia se apoiavam em interesses diversos a fim de “ter um dia em suas mãos o destino de metade do mundo”. Enquanto os estadunidenses defendiam o interesse pessoal utilizando como meio de ação a liberdade, os russos ao concentrarem em um homem toda a potência da sociedade, utilizavam a espada do soldado a fim de atingir seus objetivos.
Exatos 190 anos depois, o destino verbalizado por um europeu se cumpriu na segunda metade do século XX, e hoje se defronta com um novo dilema existencial. Entre derrotas e conquistas, a Rússia contemporânea, comparada ao tempo dos czares e da União Soviética, perdeu quase 25% de todo o seu território, enquanto os Estados Unidos mais do que dobraram de tamanho. Essa diferença substancial deverá pesar nas tratativas para que um acordo de cessar-fogo entre Rússia e Ucrânia ocorra na próxima sexta-feira, 15 de agosto, quando os dois presidentes se reunirão em Anchorage, Alasca, nos Estados Unidos.
Vladimir Putin conhece como poucos a importância do territorialismo para o povo russo. Seu antecessor, Boris Iéltsin, defensor da aproximação com países ocidentais, sofreu forte escrutínio quando não conseguiu conquistar a região da Chechênia, na década de 1990. Poucos anos depois, Putin devastou e conquistou essa região. Envolto a diferentes interesses geopolíticos da Organização dos Países do Atlântico Norte (OTAN) e do crescimento econômico chinês, Putin tem ciência que os territórios invadidos na Ucrânia não podem ser devolvidos em sua totalidade.
Do outro lado, o presidente Donald J. Trump tem como árdua missão enfraquecer a capacidade de influência da China no século XXI, algo que Tocqueville não teve condições de prever. O presidente americano sabe que quanto mais essa guerra prolongar maior será o grau de influência e poder dos chineses em um gigantesco território russo, fonte de minerais preciosos, petróleo e 143 milhões de consumidores. Como um homem de negócios, Trump sabe que precisa de Índia, Coreia do Sul, Japão, Rússia e Oriente Médio para amortecerem o expansionismo chinês através de sua Nova Rota da Seda.
Desse modo, não se trata de revivermos o que muitos analistas estão abordando como um novo “Acordo de Munique” (1938), quando Hitler persuadiu os países europeus e ganhou tempo para uma nova incursão militar na Polônia, um ano depois, o que daria início à Segunda Guerra Mundial. Trata-se de uma negociação geopolítica reativa para os dois países, pois enquanto as elites russas estão pressionando Putin, os EUA correm contra o tempo para reorganizar a Ordem Mundial. Se Trump tem três anos para fazer a diferença, Putin luta pela conquista do tempo da longa duração, como forma de preservar a ideia de um império decadente, mas que ainda insiste em viver no coração e na mente do povo russo.
• Por: Victor Missiato, professor de História do Colégio Presbiteriano Mackenzie Tamboré. Dr. em História e Analista Político.| *O conteúdo dos artigos assinados não representa necessariamente a opinião do Mackenzie.| Os Colégios Presbiterianos Mackenzie são reconhecidos, hoje, pela qualidade no ensino e educação que oferecem aos seus alunos, enraizada na antiga Escola Americana, fundada em 1870, pelo casal George e Mary Chamberlain, em São Paulo. A instituição dispõe de unidades em São Paulo, Tamboré (em Barueri-SP), Brasília (DF) e Palmas (TO). Com todos os segmentos da Educação Básica – Educação Infantil (Maternal, Jardim I e II), Ensino Fundamental e Ensino Médio, procura o desenvolvimento das habilidades integrais do aluno e a formação de valores e da consciência crítica, despertando o compromisso com a sociedade e formando um indivíduo capaz de servir ao próximo e à comunidade. No percurso da história, o Mackenzie se tornou reconhecido pela tradição, pioneirismo e inovação na educação, o que permitiu alcançar o posto de uma das renomadas instituições de ensino que mais contribuem para o desenvolvimento científico e acadêmico do País.