ricardo-viana

24/07/2025

Uma mega hidrelétrica de US$ 170 bilhões no Tibete justifica o rali do preço do minério?

O preço do minério de ferro, depois de meses de dificuldade, mostrou forte recuperação nas últimas sessões. Em Cingapura, a commodity está cotada em aproximadamente 105 USD/ton, a máxima em meses—propagando o alívio para empresas produtoras de minério. O momento, no entanto, é no mínimo curioso.

Com a chegada do segundo semestre, vem uma conhecida pressão sazonal de preços de minério. O motivo é a desaceleração sazonal da demanda de aço na China, somada a embarques maiores de minério dos maiores produtores globais: Brasil e Austrália. Então, de onde vem o otimismo?

Curiosamente, nesta semana, o premier chinês, Li Qiang, anunciou o início da construção de um projeto histórico, com números suficientes para definir a palavra “superlativo”. Trata-se do que será a maior usina hidrelétrica do mundo, localizada na província chinesa do Tibete. Com previsão de entrega em aproximadamente 10 anos, o orçamento inicial da obra é de 170 bilhões de dólares.

Números soltos não fazem jus à grandeza do projeto. No Brasil, a joia da coroa setorial é a usina binacional de Itaipú. A capacidade de geração de Itaipú é de 14 GW (Giga-Watt), fazendo do ativo uma das âncoras do nosso sistema energético, que atualmente demanda pouco mais de 65 GW em média. O projeto no Tibet terá capacidade máxima de 60 GW, quase quatro vezes maior que a nossa Itaipú. Assumindo um fator de utilização de capacidade de ~60%, a nova usina supriria mais da metade da demanda do Brasil. Um passo importante da China na diversificação da sua geração de eletricidade, principalmente no contexto de energias renováveis. O projeto também tornou ‘minúscula’ a atual líder do ranking, a também chinesa usina de Três Gargantas, localizada no Rio Yangtze com capacidade de 22,5 GW.

Mas e no contexto do minério? Um projeto deste tamanho consegue mudar o cenário de oferta e demanda? A resposta curta é não. A intensidade do uso de aço em projetos hidrelétricos é menor do que o tamanho deles sugere. Projetos grandes mais recentes, como a usina brasileira de Belo Monte, ou até mesmo Três Gargantas, mostram que a intensidade de aço na estrutura orbita próximo às 20 toneladas por MW (Mega-Watt). Utilizando essa referência, o consumo direto de aço neste projeto seria de apenas 1,2 milhões de toneladas (a ser utilizado durante os 10 anos de construção).

Há, no entanto, uma dificuldade de mensurar o consumo de aço total, contabilizando o desenvolvimento de outras obras que vão além da barragem. A própria Itaipu tem um número bem expressivo de consumo total: equivalentes a 380 “Torres Eiffel”, ou 2,7 milhões de toneladas (~190 toneladas por MW). Utilizando esta referência, o consumo proporcional da nova usina seria de pouco mais de 11,5 milhões de toneladas, também a serem alocados em 10 anos de obras.

Poderíamos passar horas discutindo qual número faria mais sentido no contexto do projeto no Tibete, que será muito maior, mas contará com uma tecnologia mais moderna que os pares. No entanto, isso não é necessário para concluir o reflexo no mercado de minério de ferro: pouco significativo.

A China hoje tem capacidade para produzir mais de 1 bilhão de toneladas de aço por ano, se posicionando como maior produtor global com ampla margem para o segundo lugar. Por conta da contração do setor de construção civil que iniciou em 2021, a indústria local se viu obrigada a cortar produção e alocar mais produto para a exportação. As exportações totalizaram em mais de 100 milhões de toneladas em 2024—com um acréscimo de mais de 60 milhões desde o início da crise no setor imobiliário.

Os números agregados da indústria de aço chinesa são tão grandes que conseguem minorar a importância de uma usina de 170 bilhões de dólares. Mas, então, por que o mercado reagiu de forma tão importante nos preços do minério? Acredito que a resposta está em dois significados da palavra ‘sentimento’.

O primeiro está no posicionamento atual. A tese estruturalmente baixista do minério de ferro é um consenso do mercado—muito embasada na demanda global anêmica e entrada de grandes projetos de minério com baixo custo de produção. Desta forma, existe uma pressão natural de compra quando saem notícias que possam contrariar esse consenso.

Porém, na minha visão mais importante, temos a segunda razão. Desde o início do crackdown do Governo no setor imobiliário, a China encontra dificuldades no combate à desaceleração do crescimento da economia, do ceticismo do cidadão médio (gerando um ambiente de formação de poupança na população) e, finalmente, da deflação. Por conta disso, desde 2021, testemunhamos diversos episódios em que se especulou no mercado um lançamento de um pacote de estímulos mais robustos para aquecer a economia. Por ora, isso não aconteceu, frustrando a esperança por uma recuperação chinesa “à moda antiga”. Um projeto desse calibre, no entanto, poderia encabeçar uma mudança de conjuntura maior—mais pro-crescimento. Acredito que seja cedo para acreditar nessa mudança de rota. Neste caso, não há motivos para que os preços do minério não devolvam os ganhos desta semana.

Por: Ricardo Viana, engenheiro de petróleo e analista de ações do setor de energia.