O Brasil caminha para colher, em 2024/25, mais uma safra histórica: mais de 336 milhões de toneladas, um crescimento de 13% em relação ao ciclo anterior, segundo a Conab. Mas enquanto a produção avança, os pedidos de recuperação judicial também disparam. Só nos primeiros meses de 2024, o agronegócio registrou 1.272 requerimentos, mais que o dobro do total de 2023, segundo a Serasa Experian.
A aparente prosperidade esconde um colapso silencioso que ameaça a base financeira do campo. Afinal, os números mostram uma contradição inquietante: como é possível um setor produzir tanto e, ao mesmo tempo, entrar em uma crise financeira? A resposta não está apenas nos números de sacas colhidas, mas na complexidade do sistema que sustenta (ou deixa de sustentar) o agro brasileiro.
O colapso não atinge apenas grandes corporações do agro. Boa parte dos pedidos de recuperação judicial vêm de médios e até pequenos produtores, pessoas físicas que apostaram alto nas últimas safras e agora enfrentam dificuldades para honrar compromissos. Isso demonstra que a crise é, sobretudo, transversal.
A queda no preço das commodities, os altos custos de produção, o peso das dívidas contraídas na época de bonança e as mudanças climáticas cada vez mais imprevisíveis formam um coquetel perigoso. E, como em todo mercado alavancado, o tombo quando vem, vem com juros e correção.
Parte do problema também passa pelas engrenagens do crédito rural. Em ciclos de alta, bancos e instituições financeiras ampliam a oferta de financiamento, muitas vezes sem critérios sólidos de sustentabilidade econômica. O crédito vem fácil, mas quando o mercado vira, as portas se fecham. Falta disposição real para negociar, ajustar prazos ou reestruturar contratos. O produtor rural, que antes era visto como aposta segura, passa a ser tratado como risco de inadimplência.
Aqui começa a parte que poucas pessoas comentam: o agronegócio, embora resiliente, não é à prova de falhas. Ele também sofre com o excesso de otimismo, com o crédito fácil (e caro), com a falta de planejamento de longo prazo e com a ausência de gestão eficiente de riscos. Desse modo, é evidente que muitos empresários têm optado hoje pelo instituto da recuperação judicial do mesmo modo como uma pessoa pode ser auxiliada por um respirador mecânico: ela não cura, mas dá tempo. O recorde de pedidos de recuperação aponta que cada vez mais há uma necessidade de reorganização das dívidas e de renegociação de prazos. É importante sempre ressaltar que tal debate envolve a manutenção de empregos e a preservação social de empresas.
O grande ponto é que o agro brasileiro precisa deixar de tratar o crescimento dos indicadores como sinônimo de saúde financeira. Produzir mais não significa necessariamente ganhar mais. Vender muito também pode ser vender mal. Sem estrutura jurídica e contábil sólida, sem boas práticas de compliance e governança, o sucesso pode virar uma armadilha. E nenhuma safra recorde é capaz de salvar um negócio mal estruturado.
Se há uma lição nessa onda de recuperações judiciais no campo, é a de que a solidez de um setor não se mede apenas pelo volume produzido, mas pela capacidade de resistir quando o mercado vira. E resistir, muitas vezes, passa por reconhecer a crise e estar disposto a olhar por ela.
Cabe ao agronegócio brasileiro ter hoje coragem para rever modelos, reconhecer erros e reconstruir com mais maturidade. Porque, como diz o ditado, quem planta, colhe. E o campo, mais do que nunca, precisa estar pronto para o próximo ciclo. Só assim a colheita será, de fato, sustentável para além dos números.
• Por: Yuri Gallinari, sócio do escritório Yuri Gallinari Advogados, especialista em Recuperação Judicial e Falência pela FADISP e pós-graduado em Processo Civil pela PUCCAMP.