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25/06/2025

Ressocialização disfuncional

Ser um ex-detento é sinônimo de preconceito. Diariamente, eles esbarram com discriminações e intolerâncias na hora da ressocialização mesmo após o cumprimento de suas penas. A sociedade age com uma certa desconfiança para com eles, ou seja, uma vez colocado o adesivo “ex-dentento”, sempre serão associados a uma pessoa criminosa ou sem escrúpulos. Mas isso não é verdade.

Sem dúvida, existem algumas com tais características, mas há também aquelas que cometeram infrações porque foram enganadas e aliciadas por figuras convincentes. É o caso das chamadas “mulas” no tráfico de entorpecentes. Muitos desses indivíduos, inclusive, saem dos seus países de origem com promessas divinas e, posteriormente, são flagradas e presos por tráfico de drogas. Posteriormente, são julgados e condenados, porque, de fato, infringiram a lei. Mas, costumam ser figuras ingênuas, de baixa escolaridade, ou jovens inexperientes.

Esse olhar para a vida dos estrangeiros que chegam ao Brasil em busca de oportunidades de emprego, mas se veem envolvidos no crime, é o que abordo no livro “Por dinheiro e poder”. Com base em anos de trabalho na tradução forense e a partir de estudos sobre a legislação brasileira, escrevi a história de um imigrante que vai morar em Natal para trabalhar como guia turístico, porém descobre uma complexa rede de tráfico. Sem saber como sair da situação, ele adentra em um mundo perigoso e precisa renunciar à própria ética para sobreviver.

Neste sentido, a literatura se torna um meio para refletir sobre as histórias de pessoas que podem até ter cometido crimes, mas não são os grandes vilãos que a sociedade diz serem. Como trazer essas histórias para o cotidiano? Como mostrar a trajetória daqueles que estão em presídios sem entender o idioma local e sem nunca terem sido julgados? Como retratar as dificuldades de ressocialização longe do núcleo familiar e das raízes?

Diante de tantas questões, a ressocialização pode se tornar disfuncional. Posteriormente, enfrentam entraves a serem superados, como a falta de oportunidades de trabalho e demérito social, o que, por si só, possibilita a reincidência de crimes na sociedade.

É necessário trazer mais discussões sobre essas pessoas que, apesar de estarem envolvidas com o crime, precisam de oportunidades para sair dele. O Estado deve rever o sistema penitenciário e torná-lo mais humanizado, com oficinas profissionalizantes e educacionais, cursos de português para os detentos estrangeiros, bem como oficinas de leitura, que podem fazer toda a diferença na ressocialização e na reinserção social de presos. Mas, a sociedade também precisa contribuir com sua parte ao debater sobre o tema. E a literatura, com seu trabalho imaginativo, continua a ser um meio para apresentar perspectivas que podem até passar despercebidas no dia a dia, mas que merecem atenção de todos.

Por: Milena Mitkova Mincheva, autora do livro “Por dinheiro e poder”, ficção policial que narra a história de um jovem estrangeiro envolvido com o crime no Brasil.