De tempos em tempos, uma ideia antiga ganha um nome novo e muda tudo. Foi assim com a agricultura sustentável nos anos 1990, com a agroecologia nos anos 2000, e agora com a agricultura regenerativa — uma expressão que rapidamente passou dos campos experimentais para os painéis da ONU, as conferências do clima e os compromissos das grandes empresas.
Mas o que muitos não sabem é que o Brasil já pratica agricultura regenerativa há mais de uma década — e em larga escala. Só não a chama assim.
Do conceito ao campo: uma prática com múltiplos nomes — A agricultura regenerativa é, em essência, um conjunto de práticas que visam não apenas reduzir os impactos da produção agropecuária, mas regenerar o solo, a biodiversidade e os ciclos naturais. Inclui sistemas como plantio direto, adubação verde, consórcios, integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), bioinsumos e manejo eficiente da água e dos dejetos animais.
O Plano ABC+, política pública lançada pelo MAPA e consolidada há mais de 15 anos, já trabalha com todos esses elementos. O problema é que o termo “regenerativa” nunca foi assumido formalmente — o que limita a visibilidade internacional e a criação de incentivos específicos.
O que o Brasil já tem — e o mundo ainda busca — Nos últimos anos, países e organizações internacionais vêm buscando formas de certificar práticas regenerativas, como o “Regenerative Organic Certification” nos EUA. Esses modelos combinam critérios técnicos (ex: mínimo revolvimento do solo, cobertura permanente) com resultados verificáveis (ex: aumento da matéria orgânica, sequestro de carbono).
O Brasil já tem esse modelo. Chama-se Plano ABC+. Mais ainda: tem metas por hectare, coeficientes de mitigação reconhecidos internacionalmente, bases de dados públicas e indicadores de produtividade.
A agricultura regenerativa brasileira pode — e deve — ser reconhecida como política pública estruturada, baseada em ciência, com resultados concretos e escala nacional.
Mas afinal, o que é “regenerar” no contexto tropical? Rodale falava, nos anos 1980, em “estimular inovações contínuas para o bem-estar do solo, das pessoas e do planeta”. A agricultura regenerativa nos trópicos, no entanto, carrega outros significados: precisa lidar com solos altamente intemperizados, maior diversidade climática e sistemas produtivos intensivos. Isso exige adaptação dos critérios e uma definição mais adequada à realidade do sul global.
Como mostram Newton et al. (2020), não há um único conceito — e tudo bem. O que importa é definir de forma clara para fins normativos. No Brasil, isso pode ser feito com base no que já existe: Plano ABC, Lei dos Bioinsumos, PNMC, ILPF e outros programas.
Faltam apenas duas coisas: nome e métrica — Se o Brasil já faz agricultura regenerativa, por que ainda não colhe os frutos disso nos fóruns internacionais?
Porque a política ainda não assumiu o nome, e a métrica ainda não virou moeda climática.
Adotar o termo agricultura regenerativa não é apenas uma questão semântica. É um posicionamento estratégico internacional, que pode fortalecer o acesso a recursos verdes, consolidar compromissos climáticos e engajar consumidores e mercados mais exigentes.
Do mesmo modo, incorporar métricas claras — como aumento da matéria orgânica do solo, eficiência no uso de insumos e recuperação funcional de ecossistemas — pode ser o diferencial para transformar práticas em créditos, produtos ou selos reconhecidos.
.Sete práticas regenerativas já adotadas no Brasil.: Prática ABC+ — Princípio regenerativo associado:
Plantio direto — Cobertura permanente e mínimo revolvimento do solo.
Integração lavoura-pecuária — Diversificação e sinergia de sistemas.
Recuperação de pastagens — Revitalização do solo e aumento da matéria orgânica.
Bioinsumos — Ciclagem biológica de nutrientes e saúde do solo.
Adubação verde e consórcios — Diversidade de espécies e controle natural de pragas.
Sistemas silvipastoris — Multifuncionalidade ecológica e uso eficiente da terra.
Manejo de dejetos animais — Economia circular e redução da poluição.
Por que reconhecer a agricultura regenerativa agora? O mundo quer. Empresas e governos estão atrás de práticas regenerativas como critério de ESG, financiamento verde e certificação climática.
O Brasil já tem. Temos escala, ciência e resultados. Falta só chamar pelo nome certo.
COP30 é a hora. Belém 2025 será a vitrine do planeta. Precisamos mostrar liderança também no vocabulário.
Mais acesso a recursos. Fundos climáticos, compras públicas e mercados voluntários valorizam sistemas com foco regenerativo.
Mais valor por hectare. Regenerar não é só ecológico — é economicamente mais eficiente no longo prazo.
A regeneração como política de Estado— “Agricultura Regenerativa”: não se trata apenas de definir um novo rótulo. Trata-se de incorporar a regeneração ativa como diretriz formal das políticas públicas agropecuárias. Isso inclui: Definir metas físicas e coeficientes de mitigação.
Vincular a prática a linhas de crédito e benefícios fiscais.
Estabelecer indicadores auditáveis.
Incentivar certificação voluntária.
Criar canais de participação com agricultores, empresas e ciência.
Essa é a oportunidade de tropicalizar o conceito sem diluí-lo — e fazer do Brasil um modelo global de como regenerar, produzir e prosperar ao mesmo tempo.
• Por: Luís Eduardo Pacifici Rangel, membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS), Engenheiro Agrônomo, Ex-Secretário de Defesa Agropecuária e Ex-Diretor de Análise Econômica e Políticas Públicas do Mapa. | Website/CCAS: https://agriculturasustentavel.org.br e, redes sociais.