“A quebra com a rotina e a tradição é mais que a tentativa de criar novos padrões, é a de evitar que qualquer padrão que se tenha criado congele em tradição.” (Zygmunt Bauman, in Modernidade Líquida).
O capitalismo hoje é o financeiro, assim denominado por alguns sociólogos e estudiosos da economia, também denominado de monopolista, por outros. Mas é consenso entre aqueles que é o estágio atual do capitalismo, no qual se acentua a massiva predominância da atividade financeira, dos financistas. Dá-se excessiva importância a especulação financeira e a sua influência na economia local e global, situação na qual ocorre atuação agressiva de bancos e gigantes instituições multinacionais que gerenciam capital e riquezas, essencialmente voltada ao investimento em ativos como ações ou mercado de capitais, diuturnamente citado nos veículos de comunicação e mídia em geral como “o mercado”. Esse “ser” trabalha basicamente com a especulação voraz e multinacional, ou seja, derivada da abertura das economias nacionais aos investimentos estrangeiros e a crescente influência do gigante sistema financeiro internacional.
A citação aqui utilizada inicialmente é de autoria do sociólogo Zygmunt Bauman, quando trata e retrata a sociedade contemporânea e sua aderência a desregulamentação, no sentido da exacerbação de ideia há muito presente, mas se apresentando hoje muito mais agressiva e escancarada, tida e aceita como normal, onde se busca regular a atuação daquele “ser”, o mercado, movido tão-somente dos fins almejados economicamente pelo capital, admitindo-se, como natural, o extermínio de qualquer concorrência e a sôfrega busca por fidelização do maior número de consumidores.
Dentre as diversas características encontradas no capitalismo financeiro, motor atual da economia global e, via de consequência da vida das pessoas, tem-se a forma acelerada a entrada facilitada pela evolução cada vez mais célere da tecnologia, notadamente as de comunicação ou mídias em geral, permitindo-lhe dispor de incrível velocidade para penetrar e influir imediatamente na vida das pessoas e instituições. Isso nos permite dizer que há tendência inconteste de volatilidade de ativos e outros, ou seja, oposição do que é durável, inclusive nas vidas das pessoas, resultando em insegurança constante, na cultura do provisório, na incertezas, no consumismo desenfreado, na transmutação constante de identidades, na rotatividade excessiva de mão de obra, no crescente aumento da extinção de postos de trabalho e, não menos preocupante, no impacto na saúde física e mental, no aumento de influência, como já citado, dos meios de comunicação e mídias em detrimento de meios efetivos de socialização, da efetiva interpessoalidade, seja para discussão e resolução de problemas cotidianos ou, não menos importante, para criação e manutenção de laços sociais e afetivos duradouros.
Alguns sociólogos modernos tratam dos avanços tecnológicos aliado ao capitalismo como “capital nuvem”, implicando dizer que o uso e estímulo de inteligência artificial, mídias digitais e outros e todos os seus algoritmos, moldam a nova concepção, natureza e o crescente poder do capital. Isso permitiu ampliar a necessidade de produção às suas próprias lógicas. O raio de ação do capital extrapolou o uso da mão de obra assalariada, pois permiti-lhe apropriar-se diretamente dos consumidores e até de outros capitalistas. No caso específico os consumidores, seu alcance ocorre em razão do tempo dispendido com o que seria lazer ou assim é considerado, utilizando-se exacerbadamente em sites de buscas ou pesquisas explorados pelo que se denomina de “big techs” que, como qualquer outra atividade empresária, visam o lucro. Soma-se ao dispêndio de tempo de lazer com redes sociais diversas, todas criadas como uma interface de lazer e diversão, mas voltadas, efetivamente, a gerar renda para criadores e mantenedores, tornando os consumidores desses dispositivos ou aplicativos em “trabalhadores” sem remuneração, uma vez que, como dito, geram renda e acúmulo de capital aos seus criadores e mantenedores, pelo uso pago ou não e sua disseminação ou pela inserção de patrocinadores e sua visibilidade que decorre da remuneração do espaço utilizado.
Tornou-se obsoleto estar preso a algo, instituição ou pessoas, como se fora pesado fardo a se carregar, seja nas atividades profissionais seja nas relações interpessoais, a ideia de coletividade e de solidariedade, permitindo-se até a quebra das boas tradições familiares. Assim, o que não nos serve mais deve ser extinto, esquecido, descartado. E o que vem ou virá após o que foi descartado, foi ou será utilizado com extrema sofreguidão, principalmente se impulsionado pela mídia, mas terá certamente, também, curto espaço de tempo ou vida, resultando no seu usufruto ou gozo efêmero, logo descartado dando continuidade a esse ciclo.
Os mecanismos utilizados pelos capitais, dada a já citada tecnologia, permiti-lhes não ter mais imposição de barreiras geográficas, sedes físicas, tratando e manipulando enormes dimensões continentais com seu quintal, um terreno à sua disposição, quebrando-se, de forma consentida ou imposta, a chamada soberania dos Estados sobre seus territórios há muito notabilizado pelas entidades multinacionais, mas agora intensificada e mais presente, mais incisiva e maciça, mantendo-se e se acentuando a prevalência do capital financeiro, do ganho, do lucro sobre o capital humano.
Exige-se do trabalhador, cada vez mais, a mutabilidade ou adaptação, extinguindo-se hoje, na maioria das atividades empresariais, a solidez de relações profissionais duradouras que possam oferecer a segurança, a identidade e a inexistência, infelizmente, de definições de projetos definidos de vida. O capitalismo financeiro assim atua, extirpando caráter, exigindo agilidade, a capacidade de as pessoas estarem sempre aptas e receptivas para bruscas mudanças, situação que nem sempre está presente ou se dá de forma igual para todos. Mudanças essas que ocorrem cada vez mais e no curto prazo, levadas a efeito, principalmente, pela defesa da ideia da necessidade de desregulamentação, do afrouxamento de direitos e normas da obsolescência de procedimento formais.
Concluindo-se, não se está propugnando pelo fim do sistema, mas o que se deseja é a reflexão do que se vive hoje e da forma como se vive. Propugna-se sim, que deva haver a sobreposição dos interesses e valores do ser humano em primeiro lugar, a frente ou em detrimento do “ser” mercado. Mas não qualquer interesse, ou seja, não o interesse personalíssimo de pessoa ou grupo, mas da coletividade. As mudanças havidas, por certo, concederam-nos diversos benéficos, meios e novas oportunidades, inegavelmente, como também muitas mazelas e enormes desafios, além dos relacionados as pessoas como a interpessoalidade, o trabalho, a saúde mental havendo, também, o que ora se apresenta e se tornou pauta corriqueira nos veículos de comunicação relativamente ao comércio exterior e as relações internacionais, decorrente da extrema dependência e da vulnerabilidade crescente às crises financeiras mundiais, exigindo continuamente adaptações internas e ajustes econômicos.
• Por: Menildo Jesus de Sousa Freitas. Professor. Contador. Mestre em Contabilidade. Membro da Academia Mineira de Ciências Contábeis. Perito Contador Aposentado do Ministério Público da União.