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04/11/2025

Como a regulamentação de empréstimos em cripto pode ajudar nos avanços do mercado

O Brasil já é um dos líderes globais na adoção de criptomoedas. De acordo com o Global Crypto Adoption Index 2024 da Chainalysis, o país figura entre os 10 mais engajados do mundo. Entre janeiro e setembro de 2024, foram declarados R$ 247,8 bilhões em operações de cripto na Receita Federal, alta de 24,2% sobre 2023. Grande parte dessas movimentações se dá por meio de stablecoins atreladas ao dólar: a Tether USDT, por exemplo, respondeu por 62% do volume total no período.

Há ainda outras pesquisas de mercado que estimam em milhões o número de brasileiros investidores em cripto: aproximadamente entre 4 e 6,5 milhões. Então, sim, temos um mercado gigantesco, bem engajado e ativo, mas pouquíssimas regras na atuação e isso prejudica os investidores e o desenvolvimento desse mercado no geral.

Não é que já não estejamos caminhando em direção a uma regulação mais robusta e clara a respeito da atuação do mercado cripto no nosso país. Um importante marco, que foi a Lei nº 14.478/22, estabeleceu diretrizes gerais para a prestação de serviços de “ativos virtuais”, no que inclui as exchanges de criptomoedas. E foi o Banco Central que ficou encarregado da tarefa de regulamentar e fiscalizar as corretoras.

No entanto, a lei não previu explicitamente operações de crédito garantidas por criptoativos. Na prática, hoje não existe norma específica definindo se e como um empréstimo com bitcoin ou outra criptomoeda como garantia pode ser concedido no país. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por sua vez, atua somente sobre criptoativos enquadrados em valores mobiliários (como tokens de ações ou fundos), ficando fora da regulação a maioria absoluta dos ativos digitais, incluindo o bitcoin.

Dado esse contexto, temos uma lacuna: nem a CVM nem o Banco Central estabeleceram regras próprias para empréstimos que usam criptomoedas como garantia. Isso gera incerteza jurídica sobre quem pode ofertar esse serviço e sob quais condições.

O vácuo regulatório no setor cripto acarreta dois riscos principais: a insegurança jurídica, uma vez que a ausência de leis claras impede a definição precisa dos direitos e deveres de tomadores e credores, resultando em contratos ambíguos e disputas judiciais sem parâmetros; e a falta de proteção ao consumidor, já que não existem regras específicas sobre transparência de taxas, limites de juros ou canais de reclamação, o que facilita práticas abusivas e dificulta a fiscalização.

A ausência de regulação no mercado cripto facilita crimes como lavagem de dinheiro, especialmente com o uso de stablecoins, que representam a maior parte das transações cripto no Brasil e levantam suspeitas de evasão. Esse é um problema global: a maioria dos países ainda não aplica com rigor as normas internacionais, segundo o GAFI.

Além dos riscos individuais, há impactos potenciais no sistema financeiro. A falta de regras pode gerar crises de liquidez, contágio sistêmico e colapsos em cadeia, especialmente devido à alavancagem excessiva das plataformas de empréstimos cripto. Diante disso, especialistas e organismos internacionais alertam: é urgente criar normas locais robustas para proteger os consumidores, evitar fraudes e preservar a estabilidade do sistema financeiro. O Brasil tem a oportunidade de liderar esse movimento regulatório.

Apesar da ausência de regras claras em muitos países, o debate sobre a regulação de criptoativos tem avançado internacionalmente. O Reino Unido estabeleceu um cronograma para que exchanges e emissores de stablecoins passem a ser supervisionados pela FCA. Na União Europeia, o regulamento MiCA, que entrou em vigor integralmente em dezembro de 2024, criou um sistema unificado de licenciamento e impôs regras rígidas para stablecoins. Nos Estados Unidos, o debate ainda é fragmentado, mas houve tentativas de legislar em nível federal, como um projeto de lei sobre stablecoins votado no Senado em 2025, que acabou não sendo aprovado.

Isso mostra que até economias maduras enfrentam dificuldade em achar o caminho certo. No campo das normas internacionais, órgãos como o G20 têm incentivado padrões globais. O Financial Stability Board (FSB) divulgou diretrizes para que ativos digitais de mesma função econômica sejam tratados pelas mesmas regras em qualquer país, com foco na estabilidade financeira e na proteção de investidores.

A criação de um arcabouço específico para empréstimos com garantia em criptomoedas traria diversas vantagens para o país, como o aumento da segurança jurídica ao definir quais produtos podem ser ofertados e sob quais requisitos, promovendo a confiança entre consumidores, instituições financeiras e empreendedores e incentivando o crescimento ordenado do mercado. Além disso, a regulação fortaleceria os controles de prevenção à lavagem de dinheiro, ao exigir o cumprimento de normas de identificação de usuários (KYC) e o monitoramento de transações suspeitas, práticas ainda ausentes em nichos informais do setor.

Um ambiente regulado estimula a inovação responsável ao oferecer segurança jurídica para que empresas sérias desenvolvam novos serviços dentro de um quadro legal, sem o receio de proibições futuras. Isso aumenta a credibilidade do mercado, atraindo investimentos estrangeiros, já que fundos e bancos globais priorizam ambientes previsíveis e estáveis.

Como ressaltado pelo presidente do Banco Central, a abertura regulatória para stablecoins e tokenização pode transformar o setor de fintechs no país. Além disso, a integração entre criptoativos e o sistema financeiro tradicional seria fortalecida, com stablecoins reguladas podendo operar na infraestrutura nacional de pagamentos, ampliando a liquidez e a eficiência de transações internacionais. Assim, uma regulação clara não inibe a inovação, mas alinha o Brasil às melhores práticas globais e cria as bases para o desenvolvimento saudável da tecnologia cripto.

Regulamentar o setor não significa engessá-lo, mas sim oferecer uma base confiável e transparente para seu desenvolvimento. É importante que pessoas interessadas mobilizem-se e priorizem urgentemente a discussão sobre empréstimos com garantia cripto. Somente assim o Brasil evitará retrocessos e criará condições de dinamizar a inovação financeira com responsabilidade, protegendo consumidores e a estabilidade econômica do país.

Por: Gislene Cabral, head de Compliance e Riscos da NovaDAX.