artigo-acordo-mercosul

04/11/2025

Acordo Mercosul-UE: a corrida pelo mercado já começou, e a Europa saiu na frente

A recente visita do comissário europeu Christophe Hansen (foto ao centro com gravata) ao Brasil não foi apenas mais uma missão diplomática de cortesia. Foi um sinal claro e contundente de que a parte europeia já está com o pé no acelerador para o tão aguardado Acordo Mercosul-União Europeia. A comitiva de Hansen, integrada por quase 80 empresas e associações do setor agroalimentar, veio prospectar oportunidades, fechar negócios e, acima de tudo, posicionar-se estrategicamente para quando as barreiras comerciais caírem.

A mensagem que fica é cristalina: enquanto o acordo ainda enfrenta obstáculos políticos e ambientais para sua ratificação final, o setor privado europeu não está esperando. Eles estão agindo como se o tratado já estivesse em vigor, mapeando o terreno e construindo as pontes que lhes permitirão dominar o mercado assim que as portas se abrirem oficialmente.

O foco da missão foi de “alto nível”, envolvendo gigantes do setor. A presença do luxemburguês Christophe Hansen, um nome-chave na comissão de comércio do Parlamento Europeu, confere um peso político inegável à iniciativa, mostrando uma rara sincronia entre os interesses públicos e privados da Europa.

Um Mosaico de oportunidades Europeias — A lista de empresas que desembarcaram em São Paulo é um verdadeiro catálogo da diversidade e sofisticação do agronegócio europeu. Longe de ser uma delegação genérica, ela era composta por players específicos e poderosos de seus respectivos setores:

Gigantes e Associações: a presença de pesos-pesados como Arla Foods (Dinamarca, laticínios), PHW Group (Alemanha, processados) e Remy Cointreau (França, vinhos e espíritos) mostra o interesse das grandes corporações. Paralelamente, associações setoriais de enorme influência, como FoodDrinkEurope, Spiritseurope e a Associação Alemã da Indústria de Confeitaria (BDSI), vieram mapear o terreno para seus milhares de membros.

Especialidades e Denominações de Origem: A delegação trouxe produtos que são a alma da gastronomia europeia, muitos com proteção geográfica. Havia desde o Queijo Paški sir da Croácia e o Cognac Pierre de Segonzac da França, até o exclusivo Mástique de Quios da Grécia, uma resina vegetal única.

Foco em valor agregado: A comissão não era focada apenas em commodities. Havia uma forte representação de produtos processados e de nicho. Empresas da Lituânia, como a OMG Bubble Tea, e da República Tcheca, como a Beertopia Import, mostram a busca por segmentos específicos do consumidor brasileiro. A italiana La Pizzeria e a polonesa Spomlek Dairy Cooperation ilustram a intenção de conquistar o mercado com produtos familiares, porém com um toque europeu.

Lições em miniatura: o caso de Luxemburgo — A lição mais eloquente sobre a seriedade com que os europeus encaram essa oportunidade vem de um dos menores países do bloco: Luxemburgo. Com uma população menor que a de muitas capitais brasileiras, inferior a 700 mil habitantes, o grão-ducado marcou presença na missão com duas empresas: as vinícolas Domaine L&R Kox e Domaine Alice Hartmann. Ambas com o Crèment luxemburguês, que é destaque entre as bebidas espumantes.

Esse detalhe é fundamental. Se um país de dimensões tão modestas já está mobilizando sua indústria de nicho (vinhos espumantes) para buscar espaço no mercado brasileiro e sul-americano, imaginem o que estão fazendo potências como França, Alemanha e Itália, que trouxeram dezenas de representantes cada. A presença luxemburguesa demonstra que a visão de mercado na Europa é granular, específica e extremamente agressiva. Eles não estão vindo apenas para vender; estão vindo para estabelecer parcerias, investir e ocupar nichos antes mesmo que a concorrência local perceba a ameaça.

O outro lado da moeda: o Brasil precisa acordar para a oferta — Todo esse movimento gera um alerta urgente para o Brasil. A narrativa tem sido excessivamente focada no que o acordo pode abrir para as exportações brasileiras, especialmente do agronegócio. No entanto, a visita de Hansen deixa claro que o acordo é uma via de mão dupla, e os caminhões europeus estão prontos para entrar.

A pergunta que fica é: e as empresas brasileiras? Elas estão se estruturando para aproveitar a drástica redução de tarifas sobre produtos europeus? A indústria nacional está prospectando quais produtos de Luxemburgo, Portugal ou Eslovênia poderiam ser interessantes para o consumidor brasileiro? Enquanto a FIAB (Federação Espanhola de Indústrias de Alimentos e Bebidas) e a Coldiretti (maior associação de agricultores da Itália) estiveram representando seus interesses, onde estão as contrapartes brasileiras planejando a invasão do mercado europeu?

A abertura do mercado europeu para o Brasil é uma oportunidade histórica, mas não será um passeio livre. Os consumidores europeus são exigentes, os padrões de qualidade e sustentabilidade são rigorosos e a concorrência local é forte. Enquanto as empresas europeias já estão no Brasil, “farejando” o acordo e se preparando para a nova realidade tarifária, o setor produtivo brasileiro corre o risco de chegar atrasado à festa.

Conclusão: mais do que ratificar, é preciso se preparar — A missão de Christophe Hansen foi um teste de fogo. Mostrou que o setor privado europeu já internalizou o acordo e está operacionalizando sua estratégia. O Brasil não pode tratar a ratificação do tratado como um fim em si mesmo. É apenas o começo.

O momento exige uma postura proativa do governo e, principalmente, da iniciativa privada. É hora de formar comitês de comércio exterior, estudar o mercado europeu em seus mínimos detalhes, identificar demandas e preparar a oferta. O exemplo de Luxemburgo, com seus dois vinícolas, e da Lituânia, com suas empresas de chá e grãos, deve servir como um poderoso lembrete: na guerra comercial do século XXI, não há participantes pequenos, apenas jogadores preparados. E os europeus, como demonstrou a lista de 77 empresas, já estão em campo e em formação avançada.

Por: Roberta Zuge, mestre e doutora em Reprodução Animal pela Universidade de São Paulo (USP) e conselheira do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS). | CCAS — O Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS) é uma organização da Sociedade Civil, criada em 15 de abril de 2011, com domicilio, sede e foro no município de São Paulo (SP), com o objetivo precípuo de discutir temas relacionados à sustentabilidade da agricultura e se posicionar, de maneira clara, sobre o assunto.

O CCAS é uma entidade privada, de natureza associativa, sem fins econômicos, pautando suas ações na imparcialidade, ética e transparência, sempre valorizando o conhecimento científico.

Os associados do CCAS são profissionais de diferentes formações e áreas de atuação, tanto na área pública quanto privada, que comungam o objetivo comum de pugnar pela sustentabilidade da agricultura brasileira. São profissionais que se destacam por suas atividades técnico-científicas e que se dispõem a apresentar fatos, lastreados em verdades científicas, para comprovar a sustentabilidade das atividades agrícolas.

A agricultura, por sua importância fundamental para o país e para cada cidadão, tem sua reputação e imagem em construção, alternando percepções positivas e negativas. É preciso que professores, pesquisadores e especialistas no tema apresentem e discutam suas teses, estudos e opiniões, para melhor informação da sociedade. Não podemos deixar de lembrar que a evolução da civilização só foi possível devido à agricultura. É importante que todo o conhecimento acumulado nas Universidades e Instituições de Pesquisa, assim como a larga experiência dos agricultores, seja colocado à disposição da população, para que a realidade da agricultura, em especial seu caráter de sustentabilidade, transpareça. | https://agriculturasustentavel.org.br