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30/10/2025

O futuro da IA no seguro

O que ninguém está dizendo sobre a corrida pela sobrevivência das organizações.

Vivemos um momento em que a inteligência artificial ocupa todas as conversas, das salas de diretoria aos grupos de WhatsApp corporativos. Mas, no mercado de seguros, o entusiasmo muitas vezes corre mais rápido do que a realidade. Não há transformação digital sem base sólida, sem dados estruturados e sem um entendimento profundo das jornadas que queremos transformar. A pressa em automatizar o que ainda não está maduro é o que separa a inovação real do ruído tecnológico.

Nos últimos anos, a digitalização do setor avançou, mas os desafios permanecem os mesmos: plataformas monolíticas, dados fragmentados e processos pouco integrados. Segundo estudo da Celant, 40% das seguradoras ainda não trabalham efetivamente com inteligência artificial e somente 22% do mercado deve adotar agentes autônomos até 2026. Ou seja, enquanto o discurso sobre IA se multiplica, a prática ainda engatinha. O problema não é falta de tecnologia, mas sim a falta de clareza.

A era dos SaaS (Software as a Service/ Software como Serviço) tradicionais está perdendo relevância. O setor precisa de velocidade e flexibilidade para acompanhar as jornadas únicas de cada cliente. Modelos estanques não cabem mais em um ambiente de negócios dinâmico, no qual a hiperpersonalização e as decisões baseadas em dados definem vantagem competitiva. Afinal, o futuro da Inteligência Artificial (IA) será sobre quem sabe fazer as perguntas certas.

A verdade é que chegamos ao limite da experimentação superficial. A fase dos “projetos-piloto” termina entre 2026 e 2027, quando as empresas começarão a sentir a escassez de dados e o aumento de custos. Estima-se que 80% das iniciativas que hoje dão certo não serão economicamente viáveis. Entramos em uma era de maturidade digital na qual a governança, a curadoria de dados e a capacitação das pessoas serão tão importantes quanto a tecnologia em si.

Mas há um paradoxo que precisamos encarar: quanto mais falamos em automação, mais humanos precisamos ser. A IA é poderosa, mas não sabe o que não sabe. Sem senso crítico, sem ética e sem compreensão de contexto, ela pode amplificar erros em escala. Por isso, o grande desafio das seguradoras não está em “usar IA”, e sim em preparar suas equipes para pedir à IA o que realmente importa, pois inteligência artificial sem inteligência humana é apenas código.

Nesse sentido, vejo três pontos que definirão quem lidera e quem ficará para trás. Primeiro, o aculturamento interno: a IA não se impõe, se aprende. As pessoas precisam entender seu papel na transformação, e isso exige investimento em formação ampla, não apenas na área de tecnologia. Segundo, uma governança leve e multidisciplinar: comitês de IA não devem engessar a inovação, mas garantir que ela aconteça com responsabilidade e propósito. E terceiro, liberdade para testar e errar: porque restringir demais o uso da IA é matar a inovação antes que ela nasça.

Não há mais espaço para iniciativas desconectadas, pois a IA não é um produto, é uma cultura. E cultura não se compra, se constrói, todos os dias, a partir de decisões conscientes, dados bem tratados e líderes preparados para transformar com propósito.

A cultura organizacional precisa abraçar essa mudança, entender as novas estruturas, seu impacto na cultura e na vida das pessoas, tendo em vista a necessidade de aprendizado contínuo para todos na empresa, indiferente do cargo ou nível hierárquico.

A próxima onda será a dos agentes autônomos, soluções capazes de aprender e agir de forma preditiva, conectando subscrição, sinistros e relacionamento em fluxos únicos. Mas isso só será possível para quem tiver clareza estratégica e estrutura tecnológica adequada. Estamos diante de uma janela rara de oportunidade: poucos conseguirão cruzar essa fronteira com consistência. É aqui que entra o verdadeiro diferencial: a ambidestria de equilibrar o agora e o novo.

No fim das contas, a questão não é quando adotar a IA, mas como fazer isso de forma sustentável e com inteligência humana no centro da equação. Porque a verdadeira escassez do futuro não será de tecnologia, será de lucidez.

Por: Ana Carolina Mello, sócia-diretora da Avanza. Especialista com mais de 20 anos de atuação em seguros, Ana construiu sua carreira em grandes multinacionais e, depois, empreendeu na criação de novos modelos de negócio. Sua experiência em programas mundiais de seguros e em empresas de diferentes culturas corporativas (americanas, europeias e brasileiras) deu a ela uma visão holística do setor, que integra comercial, financeiro, técnico e estratégico. Ana se destaca como voz ativa em debates sobre inovação, digitalização e automação no mercado de seguros, além de atuar como defensora da profissionalização da corretagem, mostrando que ser corretor é uma carreira com potencial de crescimento e relevância no ecossistema de seguros no Brasil.