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29/10/2025

Não é falta de lei, é falta de cultura: o obstáculo invisível da sustentabilidade

O Brasil tem uma Política Nacional de Resíduos Sólidos em vigor há quase 15 anos e investimentos significativos em coleta seletiva, centrais de triagem e iniciativas privadas de logística reversa. Pode melhorar, sem dúvida. Ainda assim, quando olhamos para os índices de reciclagem e para a consolidação da economia circular, o avanço continua tímido. Isso acontece porque, embora a lei e a infraestrutura sejam fundamentais, elas não são suficientes. Falta um terceiro pilar essencial, muitas vezes ignorado no debate: a cultura. Sem cultura, a lei “não pega”, a infraestrutura não é usada em todo o seu potencial e as metas ficam no papel.

Quando falo em cultura, não me refiro a campanhas pontuais de conscientização, mas a um processo contínuo de mudança de comportamento ao longo de toda a cadeia, que precisa ser mensurável e sustentado por dados. Cultura significa transformar ações individuais em hábitos coletivos, desde o cidadão que separa corretamente seus resíduos até gestores públicos e corporativos que tomam decisões com base em informações confiáveis. É o que acontece quando há incentivos claros, feedback constante e transparência sobre o impacto de cada etapa. Sem isso, políticas públicas se tornam burocráticas e investimentos não produzem resultados concretos.

Nesse processo, a tecnologia tem um papel decisivo, mas não basta existir, ela precisa estar a serviço da mudança de comportamento. Quando os dados se tornam visíveis e acessíveis, todos os atores da cadeia passam a entender melhor o seu papel e a tomar decisões mais assertivas. O cidadão consegue acompanhar seu impacto ambiental e perceber o valor da sua participação, as cooperativas planejam melhor suas operações ao saberem com precisão o volume e a qualidade dos materiais, a indústria pode auditar suas obrigações e otimizar recursos e o poder público passa a governar com base em evidências, e não apenas em percepções.

Enquanto temas como crédito de carbono e proteção florestal dominam a agenda de debates, resíduos e circularidade seguem relegados a segundo plano. É urgente mudar essa lógica. Não há transição justa e eficaz sem abordar o consumo, a logística reversa e a gestão de materiais como parte central da agenda climática.

Se quisermos resultados concretos nos próximos anos, precisamos adotar uma nova abordagem, a do tripé formado por legislação, infraestrutura e cultura. Governos devem implementar sistemas de monitoramento público de desempenho e priorizar soluções que acompanhem hábitos, não apenas volumes. Empresas precisam atrelar suas metas ambientais a indicadores de engajamento e frequência. Cidades devem investir na integração de dados e na educação comportamental.

A economia circular não avança por decreto, mas quando pessoas e organizações mudam hábitos diante de dados confiáveis, incentivos claros e resultados visíveis. Sem cultura, continuaremos patinando. Com cultura, temos a chance real de mudar não apenas a forma como lidamos com os resíduos, mas a maneira como nos relacionamos com os recursos do planeta.

Por: Cláudia Pires, CEO e fundadora da SO+MA. Com uma carreira consolidada nas áreas de estratégia de negócios, marketing e sustentabilidade, tornou-se empreendedora de impacto social em 2014, criando a primeira startup brasileira dedicada a promover a economia circular na prática por meio da ciência do comportamento e da tecnologia.