loyde-harbich

29/10/2025

Como a arquitetura oferece soluções para lidar com as mudanças climáticas

Diante da intensificação das mudanças climáticas, a arquitetura assume um papel estratégico na construção de cidades resilientes. Mais do que abrigo físico, o projeto arquitetônico contemporâneo deve integrar soluções que mitiguem os efeitos do calor urbano, reduzam o consumo energético e promovam saúde pública. Essa abordagem exige decisões integradas que vão da envoltória dos edifícios ao desenho do espaço público, articulando ciência, norma técnica e política urbana.

A cidade de São Paulo, classificada como Zona Bioclimática 3B, caracterizada por verões quentes e invernos amenos com perdas de calor noturno, demanda projetos que estabilizem as temperaturas internas, reduzam a carga térmica e qualifiquem o microclima urbano. A literatura clássica da arquitetura bioclimática nacional e internacional recomenda estratégias como orientação solar adequada, ventilação cruzada, sombreamento seletivo, uso de cores claras e inércia térmica.

Um estudo realizado na Universidade Federal de Goiás, utilizando a simulação computacional pelo software DesignBuilder (EnergyPlus 6.0), demonstrou que coberturas com maior inércia térmica — compostas por laje de concreto, camada de ar e telha tipo sanduíche — podem reduzir a carga térmica em até 35%. Superfícies externas com absorbância inferior ou igual a 0,35, como materiais frios certificados ou cores claras, contribuem para uma redução de até 3 °C na temperatura interna. Para coberturas, onde incidem as maiores cargas de radiação, recomenda-se a combinação de laje maciça, isolamento térmico e camada refletiva. Telhas refletivas e mantas aluminizadas, por exemplo, entregam até –3 °C adicionais nos interiores.

A ventilação natural, quando integrada a sistemas de climatização artificial, pode gerar ganhos expressivos. Pesquisa de Thiago Guimarães, sob orientação da professora Loyde Abreu-Harbich, revelou que um edifício de escritórios em São Paulo, ao adotar ventilação híbrida — acionando o ar-condicionado apenas quando necessário para manter temperaturas entre 22 °C e 27 °C — obteve redução de 47,37% no consumo energético, equivalente a R$ 1.637.182,33 por ano.

Além da economia, houve melhora na qualidade do ar interior, devido à maior taxa de renovação natural. Em escolas, a ventilação cruzada pode garantir até 70% das horas em faixa de conforto térmico, reduzindo a necessidade de climatização artificial e promovendo ambientes mais saudáveis para estudantes e professores.

A configuração urbana influencia diretamente o conforto térmico. Estudo comparativo entre Paraisópolis e Morumbi evidenciou que fatores como forma do bairro, ocupação dos lotes, altura e largura dos edifícios e materiais das fachadas impactam significativamente o microclima. A vegetação arbórea ao redor das habitações reduz a radiação solar incidente, minimizando os ganhos de calor interno. A arborização urbana, aliada a muros verdes, pode reduzir a temperatura do ar em até 10 °C em ruas largas e 6 °C em vielas estreitas.

Árvores com copas contínuas ao longo de calçadas e eixos de pedestres promovem sombreamento, reduzem a temperatura radiante média e melhoram a sensação térmica ao nível do pedestre. Além disso, favorecem a infiltração da água no solo, conservam a biodiversidade e embelezam o espaço urbano. Entretanto, copas muito densas podem reduzir a velocidade do vento em até 20%, comprometendo a ventilação natural das edificações. Por isso, recomenda-se o plantio de espécies como sibipiruna e ipê, que oferecem sombra sem bloquear a circulação do ar.

As soluções arquitetônicas e urbanísticas devem atuar de forma sinérgica. Um parque urbano, por exemplo, pode simultaneamente contribuir para a drenagem das águas pluviais, reduzir temperaturas extremas, oferecer lazer e preservar a biodiversidade. O desenho urbano inteligente, portanto, é uma ferramenta estratégica para enfrentar os desafios climáticos e promover qualidade de vida. As fachadas devem receber revestimentos claros, como reboco e pintura, evitando blocos expostos que aumentam a absorção de calor. O sombreamento das fachadas também é recomendado para reduzir a carga térmica.

Responder à pergunta “como a arquitetura oferece soluções para lidar com as mudanças climáticas?” significa reconhecer que decisões integradas reduzem o consumo energético dos edifícios e o calor ao qual o corpo humano é exposto no espaço público. Quanto a São Paulo, se a cidade souber sombrear, ventilar, arborizar e integrar, a arquitetura deixará de ser apenas abrigo físico para se tornar também ferramenta de saúde pública e resposta concreta à crise climática.

Por: Loyde Harbich, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) na Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) .| *O conteúdo dos artigos assinados não representa necessariamente a opinião do Mackenzie. | A Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) foi eleita como a melhor instituição de educação privada do Estado de São Paulo em 2023, de acordo com o Ranking Universitário Folha 2023 (RUF). Segundo o ranking QS Latin America & The Caribbean Ranking, o Guia da Faculdade Quero Educação e Estadão, é também reconhecida entre as melhores instituições de ensino da América do Sul. Com mais de 70 anos, a UPM possui três campi no estado de São Paulo, em Higienópolis, Alphaville e Campinas. Os cursos oferecidos pela UPM contemplam Graduação, Pós-Graduação, Mestrado e Doutorado, Extensão, EaD, Cursos In Company e Centro de Línguas Estrangeiras.