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23/10/2025

A crise dos Correios: um sintoma da estagnação estrutural das estatais brasileiras

A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos atravessa, talvez, a mais grave crise de sua história recente. O déficit acumulado, que ultrapassou R$ 4 bilhões apenas no primeiro semestre de 2025, não é fruto de um acidente contábil ou de má sorte conjuntural. É o resultado previsível de uma estrutura estatal que parou no tempo, uma empresa criada para um Brasil analógico e que tenta sobreviver em um país digital.

Nos últimos dez anos, o modelo de negócios dos Correios foi tensionado de forma radical. A correspondência tradicional, que um dia sustentou a operação, tornou-se irrelevante. O avanço do comércio eletrônico trouxe um novo campo de atuação, mas a estatal não conseguiu se reposicionar com a agilidade que o mercado exigia. Empresas privadas, com tecnologia, logística e governança mais enxutas, ocuparam o espaço. Enquanto isso, os Correios continuaram presos a uma estrutura administrativa pesada, com custos trabalhistas crescentes e processos internos que se multiplicam como herança de um Estado lento e politizado.

O problema é que a estatal, por sua natureza, opera sob duas lógicas inconciliáveis. De um lado, precisa ser eficiente e competir com gigantes logísticos. De outro, deve garantir a universalização do serviço postal em mais de 5.500 municípios, muitos deles deficitários. Essa equação raramente fecha. O resultado é a sucessão de prejuízos, que muitas vezes recaem sobre o caixa da empresa e, em outras, sobre o contribuinte.

Há também um componente de gestão que não pode ser ignorado. A história recente dos Correios foi marcada por loteamento político de cargos, ausência de planejamento estratégico e decisões mais orientadas por ciclos eleitorais do que por métricas de desempenho. Em qualquer empresa privada, déficits sucessivos seriam tratados como um alerta vermelho; na estatal, tornaram-se rotina, contornados por medidas paliativas e promessas de reestruturação que pouco avançaram.

A situação fiscal da empresa se deteriorou rapidamente. A receita operacional caiu mais de 10% em um ano, enquanto os custos administrativos e judiciais explodiram. O volume de precatórios, obrigações trabalhistas e o peso da folha de pagamento corroem o caixa. O resultado é um cenário preocupante, com atrasos em pagamentos a fornecedores, falta de insumos e risco de paralisação parcial de serviços essenciais.

Do ponto de vista macroeconômico, a crise dos Correios é também um retrato da dificuldade do Estado brasileiro em lidar com a própria máquina. Empresas públicas, quando não modernizadas, tendem a se transformar em estruturas de custo e não de valor. Elas se tornam reféns de obrigações sociais sem o devido financiamento, o que as conduz, inevitavelmente, à insolvência técnica.

O debate sobre a privatização dos Correios precisa ser enfrentado sem dogmas. Não se trata de defender um Estado mínimo ou máximo, mas de reconhecer que há atividades em que o poder público perdeu eficiência há décadas. O setor de entregas é um exemplo claro. No entanto, a privatização por si só não resolve o problema. Sem uma regulação moderna, mecanismos de competição e metas de universalização claras, o risco é apenas substituir um monopólio estatal por um monopólio privado.

O que se impõe é uma transformação estrutural. É preciso redefinir o papel da empresa, adotar um modelo de governança profissional e ajustar sua operação ao tamanho real da demanda contemporânea. A sobrevivência dos Correios depende de entender que a função social não pode existir sem sustentabilidade econômica.

Em última instância, a crise dos Correios é um espelho do país. Mostra como a ausência de reformas profundas nas estatais transforma o que um dia foi orgulho nacional em símbolo de ineficiência. A lição econômica é direta: quando uma organização ignora o tempo e o mercado, o déficit não é apenas financeiro, torna-se também institucional e histórico.

Por: Hugo Garbe, professor de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) | *O conteúdo dos artigos assinados não representa necessariamente a opinião do Mackenzie. | A Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) foi eleita como a melhor instituição de educação privada do Estado de São Paulo em 2023, de acordo com o Ranking Universitário Folha 2023 (RUF). Segundo o ranking QS Latin America & The Caribbean Ranking, o Guia da Faculdade Quero Educação e Estadão, é também reconhecida entre as melhores instituições de ensino da América do Sul. Com mais de 70 anos, a UPM possui três campi no estado de São Paulo, em Higienópolis, Alphaville e Campinas. Os cursos oferecidos pela UPM contemplam Graduação, Pós-Graduação, Mestrado e Doutorado, Extensão, EaD, Cursos In Company e Centro de Línguas Estrangeiras.