Em novembro, milhões de jovens brasileiros farão as provas do Enem 2025. Mais do que um exame, o Enem é hoje um termômetro da educação e do pensamento crítico no país. E talvez nenhum instrumento seja tão poderoso para estimular esse pensamento quanto o cinema — especialmente o curta-metragem, que cabe no tempo de uma aula e na realidade das escolas brasileiras.
O curta-metragem tem sido, há décadas, o espaço mais fértil da criação audiovisual nacional. É nele que surgem novas linguagens, novas vozes e os primeiros passos de muitos cineastas consagrados como Jorge Furtado. Apesar disso, o formato ainda recebe pouco apoio e quase nenhuma presença sistemática no ambiente escolar, mesmo com potencial pedagógico imenso.
Em poucos minutos, um bom curta é capaz de apresentar dilemas éticos, questões ambientais, debates sobre desigualdade e cidadania — temas centrais não apenas da vida cotidiana, mas também das redações e questões do Enem. Produções como Ilha das Flores, Vida Maria ou Terra a Gastar provocam reflexão e despertam senso crítico de forma que nenhum livro didático consegue sozinho.
O desafio, portanto, não é pedagógico, mas político: transformar o uso de curtas em sala de aula em uma política pública permanente. A experiência mostra que há demanda — professores buscam materiais audiovisuais, alunos respondem com entusiasmo e plataformas gratuitas já oferecem acervos com obras brasileiras alinhadas à Base Nacional Comum Curricular. O que falta é estrutura e continuidade.
Um caminho possível seria criar um Programa Nacional do Audiovisual Escolar, nos moldes do Plano Nacional do Livro Didático. Em vez de distribuir livros, o programa poderia licenciar e difundir catálogos de filmes brasileiros para as redes de ensino, com recursos do Fundo Setorial do Audiovisual. A escola se tornaria, assim, uma nova janela de exibição para o cinema nacional — ao lado da TV, do streaming e das salas comerciais.
Essa política também poderia apoiar a instalação de salas multiuso e espaços de projeção em escolas públicas, ampliando o acesso à cultura. Hoje, o Brasil tem 3.468 salas de cinema em 5.570 municípios — o que significa que cerca de 40% da população vive longe de uma tela grande. Já a rede escolar reúne 178,5 mil unidades e 47,3 milhões de estudantes (Censo Escolar 2023). É nas escolas que está o público que o cinema brasileiro ainda não alcançou.
As leis já existem. Desde 2014, a exibição de filmes nacionais nas escolas é obrigatória por pelo menos duas horas mensais. O ensino da cultura afro-brasileira, africana e indígena também é previsto por lei. O que falta é articular essas normas em uma política consistente, com curadoria, licenciamento e infraestrutura que garantam acesso e diversidade.
Trazer o cinema para dentro das escolas é mais do que cumprir uma lei: é formar repertório, estimular empatia e dar aos estudantes a chance de se reconhecerem nas histórias que o país conta sobre si mesmo. Com o Enem se aproximando, vale lembrar que nenhuma prova mede o quanto um aluno foi transformado por uma boa história. Mas é justamente aí que começa a verdadeira educação.
• Por: Vanessa de Araújo Souza, Co-Diretora do CurtaENEM iniciativa gratuita do CurtaEducação com patrocínio da Claro via Lei de Incentivo à Cultura.