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14/10/2025

O jornalismo diante dos influenciadores

O vídeo recente do Youtuber e Influenciador Felca sobre a “adultização” de crianças na internet ganhou enorme repercussão e colocou em evidência uma pergunta que já ecoava nas redações e universidades: afinal, o que é jornalismo hoje? Mais do que a denúncia em si, o episódio mostra como criadores de conteúdo, sem vínculo direto com veículos tradicionais, conseguem mobilizar discussões sociais de grande impacto.

Esse fenômeno não está isolado. O Reuters Digital News Report 2025 mostra que apenas 40% das pessoas confiam nas notícias em geral, enquanto 58% afirmam não ter certeza de distinguir o que é verdadeiro ou falso no ambiente online. Além disso, observa-se uma crescente pluralidade nos hábitos de consumo de informação, com as redes sociais, os vídeos e até os chatbots ganhando espaço, especialmente entre os jovens: 15% dos menores de 25 anos já se informam por meio dessas ferramentas, quase o dobro da média da população geral (7%).

Outro dado relevante vem de uma pesquisa internacional em quatro países: 56% dos entrevistados acreditam que “pessoas comuns” podem produzir jornalismo. Isso ajuda a explicar por que influenciadores digitais ganharam tanto espaço como fontes de informação. Para muitos, eles se tornaram uma referência, especialmente quando tratam de temas urgentes em linguagem mais próxima do público.

Diante desse cenário, a reflexão é inevitável: como o jornalismo pode se reconectar com a sociedade e reafirmar sua relevância? A cobertura sobre a ‘adultização’ não deveria se encerrar no viral de um vídeo. Cabe à imprensa profissional aprofundar a pauta, contextualizar dados, ouvir especialistas e manter o tema vivo na agenda pública, algo que vai além da efemeridade das redes sociais.

Essa transformação também revela riscos. A individualização do jornalismo, representada pela força dos influenciadores, aproxima os conteúdos da audiência, mas pode fragilizar processos coletivos de apuração e o respaldo institucional das redações. O debate plural, que equilibra olhares e filtra excessos, é um valor que não pode ser substituído apenas por vozes individuais.

Por outro lado, jornalistas e influenciadores não precisam ser rivais. Experiências internacionais já mostram o potencial de parcerias entre veículos e criadores digitais, em que a credibilidade do jornalismo se soma à capilaridade dos novos formatos. Esse modelo híbrido pode ser um caminho também no Brasil: rigor na apuração, aliado a novas formas de distribuição e linguagem.

Para profissionais que desejam transitar nesse território, alguns caminhos são claros. Testar formatos mais visuais, como vídeos curtos e transmissões ao vivo, pode aproximar novas audiências. Diversificar os canais de presença digital é essencial para estar onde o público realmente busca informação. E adotar uma linguagem mais direta, sem abrir mão da apuração rigorosa, torna-se indispensável. O próprio público, segundo o relatório da Reuters, ainda valoriza o jornalismo investigativo e aprofundado, justamente o espaço em que a imprensa profissional pode se diferenciar dos virais.

O caso da “adultização” mostra que o jornalismo não pode se dar ao luxo de deixar discussões fundamentais restritas às redes sociais. Se influenciadores conseguem abrir portas para o debate, cabe à imprensa mantê-lo, ampliá-lo e qualificá-lo. Mais do que competir por atenção, o jornalismo precisa reafirmar sua responsabilidade em oferecer informações confiáveis, aprofundadas e contínuas, mesmo em um mundo em que qualquer pessoa pode se tornar fonte de notícia.

Por: Jessi Kovatch, jornalista formada em 2008 e construiu sua carreira em relações públicas, assessoria de imprensa e comunicação corporativa. Desde 2009, atua apoiando empresas de diferentes segmentos e portes no desenvolvimento de estratégias de relacionamento com a mídia e formadores de opinião, sempre com foco em visibilidade, reputação e credibilidade. Com sólida experiência em gerenciamento de crises, fundou em 2015 a KR2 Comunicação, agência de assessoria de imprensa e relações públicas que lidera até hoje, com o propósito de oferecer um atendimento próximo e estratégico, capaz de gerar awareness e contribuir para novos negócios. Ao longo da trajetória, já atendeu marcas como Speedo, Peixe Urbano, Staedtler, Grupo Alliar e EMS, entre outras.