nicholas-coppi

07/10/2025

Sócio-gerente pode ser incluído na dívida ativa da empresa?

A inclusão do sócio‑gerente como corresponsável em Certidão de Dívida Ativa da empresa voltou a ganhar relevo prático. Em contextos de sociedades simples e unipessoais — consultórios médicos, escritórios de advocacia e sociedades limitadas de pequeno porte — é comum que se confunda, na prática, a figura do administrador com a própria pessoa jurídica. Do ponto de vista jurídico, porém, essa confusão é indevida. A responsabilização de terceiros em matéria tributária obedece a regras próprias e somente se legitima quando demonstrados, de forma individualizada, os pressupostos legais.

O Código Tributário Nacional (CTN) estabelece, nos artigos 134 e 135, o regime jurídico da responsabilidade de terceiros. O artigo 134 trata de hipóteses específicas de responsabilidade solidária (como inventariante, tutores, curadores, síndicos, tabeliães e sócios em liquidação de sociedade de pessoas). Já o artigo 135 prevê responsabilidade pessoal do gestor quando comprovado excesso de poderes, infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto. Nessas balizas, o simples inadimplemento do tributo pela pessoa jurídica não transfere, por si só, a responsabilidade ao sócio‑gerente (Súmula 430 do Superior Tribunal de Justiça). Mesmo em casos de dissolução irregular, o redirecionamento exige demonstração concreta dos pressupostos, não bastando presunções genéricas (Súmula 435 do Superior Tribunal de Justiça).

Esse desenho normativo convive com a autonomia patrimonial assegurada pelo Código Civil (artigo 49‑A) e com as garantias constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, incisos LIV e LV, da Constituição). A inscrição do sócio na dívida ativa, quando realizada sem motivação específica e sem apuração prévia idônea dos requisitos do artigo 135 do CTN, afronta esse conjunto de normas e garantias. Não se legitima a inclusão automática do administrador na Certidão de Dívida Ativa apenas porque a empresa deixou de adimplir suas obrigações tributárias. Também é relevante recordar que a antiga tentativa de ancorar a responsabilização em bases amplas, a exemplo do artigo 13 da Lei nº 8.620/1993, relativo a débitos de seguridade social, foi superada, tendo sido o dispositivo em questão revogado e a sua incompatibilidade com a Constituição reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, reafirmando a normatividade do artigo 135 do CTN.

Nos últimos anos, entretanto, observa‑se na prática administrativa que a Procuradoria‑Geral da Fazenda Nacional tem adotado, de maneira reiterada, a cobrança imediata e o protesto de títulos tanto contra a pessoa jurídica quanto contra o sócio ou administrador pelo mesmo débito fiscal, sem qualquer procedimento prévio idôneo de apuração individualizada de responsabilidade. Em diversos casos, promove‑se a inclusão do sócio como corresponsável já na inscrição em dívida ativa, sem motivação concreta e sem a abertura de contraditório, com subsequente envio da Certidão de Dívida Ativa a protesto. Esse atalho procedimental viola o modelo legal dos artigos 134 e 135 do CTN, vulnera a autonomia patrimonial e as garantias constitucionais processuais, e compromete a higidez do próprio título, que deve representar obrigação certa, líquida e exigível em relação àquele que se pretende apontar como devedor.

É verdade que o protesto de CDA foi reputado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal e admitido pelo Superior Tribunal de Justiça, na dimensão abstrata de sua validade como instrumento de cobrança extrajudicial. Essa conclusão, todavia, não autoriza o protesto quando o título estiver viciado pela inclusão indevida do sócio, isto é, quando não houver decisão administrativa fundamentada que demonstre, com base em provas, a ocorrência de excesso de poderes, de infração à lei ou ao estatuto, ou de dissolução irregular com elementos concretos que vinculem o administrador aos fatos constitutivos do débito. Sem essa apuração, o protesto transmuta‑se de mecanismo legítimo de tutela do crédito público em meio de coação, com graves efeitos reputacionais e financeiros, antes mesmo da formação regular do título em relação ao corresponsável.

As consequências práticas dessa conduta são severas. O envio simultâneo de títulos a protesto contra a pessoa jurídica e contra o sócio, sem o necessário trâmite de apuração, inverte o ônus da prova, amplia o risco de constrições indevidas e obsta o acesso a crédito, além de gerar dano à imagem do administrador. Mais do que isso, subverte o sistema de responsabilização: a regra deixa de ser a autonomia da pessoa jurídica com responsabilização excepcional e passa a ser a presunção de corresponsabilidade do sócio, o que não encontra amparo no Código Tributário Nacional nem na Constituição.

Em termos de atuação, quando não houver apuração individualizada e decisão administrativa motivada, é cabível o manejo de medidas judiciais para afastar a inclusão indevida do administrador, tal qual ação anulatória de débito fiscal, com pedido de tutela de urgência para sustar os efeitos da inscrição e do protesto em relação ao sócio; mandado de segurança preventivo ou repressivo; e, se já houver execução fiscal, exceção de pré‑executividade para impedir o redirecionamento e retirar o corresponsável do polo passivo. Também se mostra pertinente requerer a sustação e, na sequência, o cancelamento do protesto quanto ao administrador, quando evidentes os vícios de formação do título.

Em conclusão, a responsabilização do sócio‑gerente não é automática nem decorre do mero inadimplemento. O redirecionamento somente se viabiliza após apuração idônea, motivada e individualizada dos requisitos do artigo 135 do Código Tributário Nacional, com respeito ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa. A prática administrativa de cobrar e protestar simultaneamente contra a pessoa jurídica e contra o sócio, sem esse procedimento prévio, precisa ser repelida na esfera administrativa e, se necessário, rechaçada judicialmente, como medida indispensável à preservação da autonomia patrimonial e da segurança jurídica.

Por: Nicholas Coppi, dvogado, especialista (IBET) e mestre em Direito Tributário (PUC-SP). Professor de Programas de Pós-Graduação em Direito Tributário.