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27/09/2025

Queijos brasileiros premiados na França enfrentam barreira por nomes protegidos

Ouro no paladar, amnésia no nome.

A cidade de Tours, na França, foi a capital mundial do queijo Entre os dias 14 e 16 de setembro (domingo a terça-feira).A 7ª edição do Mondial du Fromage et des Produits Laitiers reuniu cerca de 1900 laticínios, e o Brasil brilhou: foi o segundo país com maior representatividade, atrás apenas dos anfitriões franceses, levando quase 300 produtos ao evento. Tive a oportunidade de estar lá, degustar essa qualidade impressionante e conversar com a numerosa e orgulhosa delegação brasileira.

O resultado foi histórico. Sob a avaliação criteriosa de 220 jurados internacionais, o Brasil conquistou 58 medalhas: 10 de ouro, 18 de prata e 30 de bronze. Um feito e tanto, que comprova a excelência e a diversidade que nossa queijaria artesanal e industrial tem alcançado. No entanto, por trás do brilho dessas medalhas, esconde-se uma sombra de incerteza que ameaça o futuro comercial desses mesmos produtos vencedores.

Um detalhe crucial na avaliação chama a atenção: os queijos são identificados pelo país de origem, mas não pelo laticínio ou produtor. Isso, somado a um certo preconceito que ainda persiste contra produtos fora do “velho mundo”, torna a conquista brasileira ainda mais significativa. No entanto, ao analisar a lista dos premiados, disponível no site do evento, um paradoxo fica evidente. Muitos dos queijos medalhistas — “Parmesões”, “Goudas”, “Bries”, “Camemberts” — utilizam nomes que estão com os dias contados no mercado brasileiro.

A ratificação do Acordo Mercosul-União Europeia, que está em seus momentos finais de negociação, trará uma mudança radical. O acordo protege as Indicações Geográficas (IGs) europeias; termos como Parmesão, Gorgonzola, Fontina e outros só poderão ser usados por produtos originários de suas regiões de origem na Europa.

Em conversas nos estandes brasileiros, percebi que muitos produtores ainda desconhecem a fundo essas exigências ou encaram o acordo com ceticismo, tratando-o como uma ameaça distante. A realidade, porém, é bem mais concreta. A UE já publicou anexos detalhados (como o Anexo 13-E) com listas de “usuários prévios” — empresas que, sob condições rígidas de rotulagem, terão direito a continuar usando alguns desses nomes por serem considerados estabelecidos no mercado.

Aqui reside o cerne do problema: ao cruzar os dados, verifiquei que nenhum dos queijarios medalhistas brasileiros que utilizam esses nomes está cadastrado nessas listas de exceção. São, em sua grande maioria, pequenos e médios produtores, queijos artesanais que carregam o nome “Parmesão” ou “Gorgonzola” não por má-fé, mas como uma descrição de estilo e tipo, prática comum e legal no Brasil por décadas.

Após a assinatura do acordo, esses nomes terão de sumir das suas embalagens. Uma mudança que vai muito além do rótulo: significa reconstruir a identidade de um produto, reeducar o consumidor e perder o valor de marca construído ao longo de anos, muitas vezes com produtos de qualidade superior, como atestam as medalhas francesas.

O sucesso em Tours prova que a qualidade do queijo brasileiro já é reconhecida globalmente. O desafio agora é urgente: é necessário que entidades do setor e o governo orientem e apoiem esses produtores – que são justamente os que mais sentirão o impacto – em um processo massivo de rebranding. Eles precisarão criar novas identidades, marcas próprias e nomes genéricos (“queijo tipo italiano ralado”, “queijo azul”) que valorizem sua origem brasileira, sem mais depender de nomes emprestados que estão prestes a se tornar proibidos.

A conquista do paladar europeu foi a primeira batalha vencida. A próxima, pela sobrevivência no mercado com uma nova identidade, é ainda mais complexa e se aproxima rapidamente. O tempo de agir é agora.

Por: Roberta Zuge, Mestre e Doutora em Reprodução Animal pela Universidade de São Paulo (USP) e conselheira do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS). | CCAS — O Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS) é uma organização da Sociedade Civil, criada em 15 de abril de 2011, com domicilio, sede e foro no município de São Paulo (SP), com o objetivo precípuo de discutir temas relacionados à sustentabilidade da agricultura e se posicionar, de maneira clara, sobre o assunto.

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A agricultura, por sua importância fundamental para o país e para cada cidadão, tem sua reputação e imagem em construção, alternando percepções positivas e negativas. É preciso que professores, pesquisadores e especialistas no tema apresentem e discutam suas teses, estudos e opiniões, para melhor informação da sociedade. Não podemos deixar de lembrar que a evolução da civilização só foi possível devido à agricultura. É importante que todo o conhecimento acumulado nas Universidades e Instituições de Pesquisa, assim como a larga experiência dos agricultores, seja colocado à disposição da população, para que a realidade da agricultura, em especial seu caráter de sustentabilidade, transpareça.