Leio uma matéria de jornal e percebo, com um sorriso, que a minha relação de casamento atual já ultrapassou a média de duração dos casamentos no Brasil, que é de 13,8 anos, segundo o IBGE. Há apenas uma década, a duração média dos casamentos era de 16 anos. Confesso que foi um longo caminho para que eu chegasse a este estado de fidelidade a um projeto de permanência com o outro, tranquilo, maduro e agradável. Custou-me os dois primeiros casamentos, até que, enfim, eu entendesse como funciona a vida a dois. E agora, olhando com a confiança que só a experiência em tropeços permite, vejo que, particularmente nas gerações mais jovens, houve um expressivo aumento de resistência aos perrengues próprios das relações duradouras. Ninguém parece estar mais disposto a esperar pra ver se vai dar certo. Ou já deu certo ou então bola pra frente. Pior: parece que ninguém mais considera importante sequer conversar sobre os problemas comuns ao relacionamento a dois. Quando cansa, vira as costas e vaza, sem aviso prévio ou, quando muito, com uma mensagem anódina no WhatsApp .
A mistura entre os discursos de empreendedorismo, sucesso financeiro e felicidade parece ter sido a pá de cal no amor romântico. Tudo se reduz a performance e publicização. Se não for instagramável, o sentimento parece que não é o mesmo, decepciona, não engaja, e o parceiro para de curtir. Bloqueia e vai buscar um match em outra freguesia.
Trago comigo as cicatrizes das minhas relações rompidas. Memórias de dor que se estendem no tempo e povoam minhas memórias sombrias. Se houve o fim do envolvimento, não houve interrupção do tempo, que incorporou a alegria e a tristeza como personagens de um mesmo romance. Hoje, o romance é mais um modelo de representação falido. O que vale é o tuíte, Reels, TikTok. Coisa rápida, encenada, e inescapavelmente esquecível, sem qualquer solução de continuidade.
Pesquisa da Market Analysis informa que, de cada 25 matches, apenas seis viram um encontro pessoal, o que não significa nada de mais consistente ou duradouro. No entanto, dos usuários pesquisados, 21% não conseguem nenhum match. Se for maior de 50 anos, esse percentual avança para 58%. Ou seja, mesmo nos aplicativos criados para surfar no mar de volatilidade emocional, o que temos são oásis de conversas rápidas em meio a um deserto de frustrações e de silêncio constrangedor nessas apostas de afeto mínimo.
O outro aspecto que parece se correlacionar com esse ambiente de obsolescência programada de afetos é o aumento alarmante de problemas de saúde mental entre os millenials e a geração z. Segundo pesquisa da BBC, um dos fatores desses sintomas entre os jovens é o temor diante da “obrigatoriedade” de ter um bom desempenho nas relações sociais, e demonstrar um perfil de “bem sucedido” nas conquistas amorosas. Não há dúvida de que hoje as relações estáveis e pouco agitadas não parece figurar entre os objetivos mais desejados. Por outro lado, a busca por novas conformações sentimentais aumenta na mesma proporção das filas nos consultórios dos terapeutas.
Lembro-me aqui, para terminar, de uma tira do personagem Garfield, que ilustra bem a angústia desses tempos: quatro ratos saem da toca e Garfield apanha-os um a um, ficando com um ratinho sob cada pata. Daí sai mais um rato da toca. O gato bonachão, então, fita o leitor e solta os quatro ratos para apanhar o solitário retardatário. De sua cabeça sai o balão com o pensamento: melhor do que ter, é obter.
Sinal desses tempos.
• Por: Daniel Medeiros, doutor em Educação Histórica e professor no Curso e Colégio Positivo. | @profdanielmedeiros