A falsa acusação de abuso sexual representa uma das formas mais graves de desvio do direito de ação e da função jurisdicional. Trata-se de um ato ilícito com potencial destrutivo severo, capaz de atingir profundamente a honra, a reputação, a dignidade e a estabilidade emocional, familiar e profissional do acusado.
No ordenamento jurídico brasileiro, tal conduta atrai responsabilização civil, conforme previsto no artigo 927 do Código Civil, que impõe a obrigação de reparar todo aquele que, por ação ou omissão, dolosa ou culposa, causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral.
Particularmente alarmante é o crescimento do número de falsas acusações de abuso sexual no contexto das Varas de Família. Em disputas envolvendo guarda de filhos, visitas, pensão alimentícia ou alienação parental, observa-se um uso estratégico e malicioso da denúncia criminal como forma de desqualificar o outro genitor, influenciar decisões judiciais e obter vantagens no litígio.
É grande o número dos processos de disputa por guarda de menores que envolvem alegações de abuso posteriormente desmentidas por perícias, investigações ou contraditório judicial, revelando o uso abusivo do sistema judicial como ferramenta de vingança, retaliação ou manipulação emocional.
A jurisprudência brasileira tem reconhecido com firmeza que a falsa imputação de crimes dessa natureza configura dano moral in re ipsa, ou seja, presume-se o abalo psíquico e social do acusado injustamente, dispensando-se a demonstração específica do prejuízo, uma vez que a simples acusação, sobretudo quando pública ou registrada em inquérito policial, já acarreta estigmatização e prejuízos profundos.
Decisões recentes ilustram essa tendência.
Em Minas Gerais, uma mulher foi condenada a indenizar o ex-marido em R$ 30 mil por acusá-lo falsamente de abusar sexualmente da própria filha; as investigações comprovaram a inexistência do fato, e o Tribunal reconheceu que houve dolo, motivado por disputa pela guarda da criança.
No Amazonas, outra mulher foi condenada a pagar R$ 3 mil após confessar que fabricou uma denúncia de estupro para proteger o verdadeiro autor. No Distrito Federal, uma funcionária foi responsabilizada civilmente ao ser condenada ao pagamento de R$ 15 mil por imputar falsamente um crime de importunação sexual ao superior hierárquico.
Ou seja, o que se verifica é que o judiciário está entendendo a gravidade das falsas acusações e punindo aqueles que comentem verdadeiramente o crime.
Tais casos demonstram não apenas o impacto destrutivo dessas denúncias falsas, mas também a necessidade de o Poder Judiciário reprimir com severidade o uso instrumental do direito penal com finalidade espúria. A responsabilização civil não se limita à reparação individual da vítima; ela cumpre função pedagógica e preventiva, desestimulando comportamentos que atentem contra a boa-fé processual e a moralidade das relações familiares e jurídicas.
Quando se comprova que houve dolo, ou seja, intenção deliberada de enganar e prejudicar, o ordenamento jurídico não apenas admite como exige a responsabilização de quem praticou tal conduta, a fim de preservar a integridade do sistema de justiça e proteger o acusado de danos morais severos e, por vezes, irreversíveis.
A fixação do valor indenizatório tem variado conforme o grau de dolo, a repercussão social da acusação e os efeitos concretos sobre a vida da vítima. Os tribunais têm variado em suas condenações, mas deve haver majoração dos valores em casos de repercussão pública, abalo psicológico documentado, ou quando a acusação foi levada a instâncias escolares, profissionais ou eclesiásticas, ampliando o estigma do injustamente acusado.
É imperioso, portanto, que o Poder Judiciário e os operadores do Direito atuem com máxima diligência na apuração desses casos, distinguindo com clareza situações de denúncia legítima, daquelas que claramente visam manipular o sistema para finalidades pessoais.
A proteção das vítimas reais de abuso sexual permanece um dever intransigente do Estado, mas a credibilidade desse mesmo sistema depende da repressão firme a acusações dolosas e temerárias, que transformam o processo penal em arma de destruição moral.
Em conclusão, a falsa acusação de abuso sexual, quando ocorre, provoca danos de altíssimo impacto e gravidade. Sua repressão jurídica, inclusive por meio da responsabilização civil exemplar, é não apenas um direito da vítima, mas uma necessidade institucional para a preservação da credibilidade da Justiça, especialmente no delicado contexto dos litígios de família, onde os interesses de crianças e adolescentes também estão em jogo.
• Por: Alexandra Ullmann, advogada e psicóloga. Referência nacional em Direito de Família, com foco em alienação parental, falsas denúncias de abuso sexual e guarda compartilhada. Perita judicial, atua há mais de duas décadas na interface entre direito e psicologia. Participou do documentário A Morte Inventada e teve papel ativo na criação da Lei da Alienação Parental. É autora do livro Tudo em Dobro ou pela Metade?, voltado ao público infantil, e palestrante em eventos no Brasil e no exterior.