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09/09/2025

Caminho Verde Brasil como modelo de blended finance

Como o Brasil ensina a si mesmo e ao mundo com seu modelo de crédito rural antecipando o modelo de blended finance global.

Nas últimas conferências internacionais sobre clima e finanças sustentáveis, um termo ganhou força: blended finance. A ideia parece simples: usar recursos públicos com condições favorecidas (subvenções, garantias, assistência técnica) para atrair capital privado para causas nobres como agricultura sustentável, transição energética ou conservação de florestas.

É uma proposta empolgante, vendida como inovadora. Mas há algo que poucos reconhecem: o Brasil pratica blended finance desde os anos 1970 – e em larga escala.

O que é blended finance? Segundo a OCDE, blended finance é o “uso estratégico de capital público para mobilizar financiamento privado rumo aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”. Em termos práticos, isso significa que o Estado entra com parte do risco ou com subsídios, criando atratividade para investidores privados em setores que, sozinhos, não conseguiriam acesso a crédito ou apresentariam risco elevado.

Em países em desenvolvimento, é visto como a “chave” para destravar trilhões de dólares necessários à transição climática. Modelos como leilões reversos, títulos verdes, fundos garantidores e instrumentos vinculados ao desempenho (results-based finance) estão se multiplicando.

No Brasil, isso já existe há décadas — Desde o “milagre econômico” da década de 1970, o governo brasileiro utiliza instrumentos de equalização de juros para baratear o custo do crédito rural. O sistema de subvenção via equalização de taxas de juros (IRES) é um típico exemplo de blended finance: o setor público cobre a diferença entre o custo de capital do mercado e a taxa cobrada dos produtores rurais. Com isso, o crédito flui, a produção aumenta e o risco é mitigado.

Estudo de Castro e Teixeira (2005) mostra que cada real gasto com equalização de juros para a agricultura familiar gerava R$ 1,75 de incremento no PIB. No caso da agricultura empresarial, o retorno era ainda maior: R$ 3,57 por real investido. Além disso, o impacto sobre a arrecadação tributária era expressivo: 24,5% de retorno para a agricultura familiar, e até 74% para os gastos em insumos agrícolas na agricultura empresarial.

Isso é blended finance. Só não tinha esse nome.

Um modelo voltado à segurança alimentar e bem-estar social — Diferente dos modelos de finanças combinadas propostos hoje no cenário internacional, o modelo brasileiro foi pensado para promover a segurança alimentar, conter o êxodo rural e fomentar o bem-estar social.

Nas décadas seguintes, programas como o Pronaf, Programa ABC e linhas voltadas à agricultura de baixo carbono continuaram seguindo essa lógica: o Tesouro Nacional banca uma parte da conta (via equalização de juros), o setor financeiro operacionaliza, e o agro brasileiro responde com produção, renda e emprego.

Em 2023, o Plano Safra disponibilizou R$ 435 bilhões, dos quais cerca de R$ 85 bilhões tiveram subvenção direta. Novamente: blended finance em larga escala.

O desafio agora é climático —Se a lógica funcionou para gerar alimentos e renda, a pergunta que se impõe é: estamos prontos para aplicar essa mesma inteligência financeira à crise climática?

A resposta é: estamos quase lá. Mas será preciso fazer ajustes.

O novo programa Caminho Verde Brasil (CVB), anunciado em 2024, representa um passo nessa direção. Com o objetivo de restaurar 40 milhões de hectares, financiar práticas sustentáveis e reduzir as emissões da agropecuária, o CVB propõe usar mecanismos de leilão de crédito, capital catalítico e condicionalidades ambientais – ou seja, o verdadeiro blended finance climático.

Mas há riscos. A experiência internacional mostra que: Condicionalidades ambientais fracas levam ao greenwashing.

Modelos complexos excluem pequenos produtores e cooperativas.

Alta dependência de mecanismos de mercado pode gerar concentração de acesso ao crédito.

O que o Brasil pode ensinar (e aprender) — O Brasil tem vantagem: uma estrutura consolidada de crédito rural e décadas de experiência com incentivos agrícolas via equalização de juros. Além disso, instituições como o BNDES, o Banco do Brasil, a Embrapa e o MAPA conhecem o território, os ciclos da produção e as realidades regionais.

Mas para ser protagonista no uso de blended finance climático, o país precisa: Criar métricas ambientais auditáveis (MRV robusto) para condicionar o crédito.

Integrar os programas ambientais (CVB) às políticas já existentes, como Plano Safra e o RenovaBio.

Assegurar acesso equitativo aos recursos para agricultores familiares e agroecológicos.

Evitar dependência excessiva de mercados voluntários de carbono e fortalecer soluções jurisdicionais.

Garantir transparência na concessionalidade e impacto dos investimentos.

Conclusão: do agro produtivo ao agro sustentável O Brasil já provou que sabe usar finanças públicas para transformar o campo. O crédito rural brasileiro é, em essência, uma política de blended finance. O que falta agora é reorientar esse modelo para enfrentar os desafios do século XXI: clima, biodiversidade e resiliência agroecológica.

Se conseguirmos, o país pode não apenas liderar a produção de alimentos, mas também se tornar referência global em finanças sustentáveis para o desenvolvimento rural com justiça climática.

Por: Luís Eduardo Pacifici Rangel, membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS), Engenheiro Agrônomo, ex-secretário de defesa Agropecuária e ex-diretor de Análise Econômica e Políticas Públicas do Mapa. | https://agriculturasustentavel.org.br e, redes sociais.