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05/09/2025

A solidão de quem cuida: psicólogos autônomos e o peso invisível da gestão

Estresse fiscal e ausência de apoio agravam os riscos emocionais entre empreendedores da saúde mental.

Durante a campanha Setembro Amarelo, voltada à prevenção do suicídio, cresce a preocupação com grupos que enfrentam, de forma silenciosa, sobrecarga emocional e solidão profissional. Um desses grupos é o dos psicólogos autônomos — profissionais que acumulam o cuidado emocional de seus pacientes com a responsabilidade integral pela gestão de seus próprios consultórios.

Dados divulgados pela Endeavor em parceria com o BID Lab mostram que 94,1% dos empreendedores de alto impacto no Brasil já vivenciaram algum transtorno de saúde mental. Os principais sintomas relatados incluem ansiedade (85%), burnout (37%), ataques de pânico (22%) e depressão (21%). Segundo o estudo, 64,4% desses profissionais trabalham mais de 50 horas por semana e 56,8% consideram a rotina altamente estressante.

Ao ampliar o recorte para pequenos negócios e profissionais liberais, como psicólogos e terapeutas, os indicadores permanecem alarmantes. De acordo com levantamento do Sebrae (ago/2024), 37% dos empresários enfrentam burnout, e 60% indicam a pressão financeira como principal fator emocional de estresse.

—O que muitos desconhecem é que psicólogos, terapeutas e autônomos da saúde mental frequentemente carregam o peso de empreender sozinhos enquanto cuidam emocionalmente de seus pacientes. São profissionais altamente qualificados, mas que muitas vezes não receberam nenhuma orientação para lidar com finanças, CNPJ, gestão ou precificação. Quando conseguimos aliviar essa carga, mesmo que seja na parte contábil e burocrática, estamos ajudando na saúde emocional também —afirma Rafael Caribé, CEO da Agilize Contabilidade.

Com experiência clínica no atendimento a mulheres, Bianca Mayumi é psicóloga e mestranda em Psicologia na UnB. Há cinco anos, ela buscou apoio contábil para lidar com a sobrecarga da gestão autônoma e compartilha sua experiência.

—Eu queria atuar de forma responsável e abrir meu CNPJ, mas algumas coisas me travavam. Como emitir uma Nota Fiscal, quais impostos pagar, etc. Na clínica, a gente fala bastante sobre rede de apoio, mas esquece disso na nossa própria prática. Nos bastidores, fora da sessão, eu achava que precisava estar à frente de tudo sozinha. Então procurei ajuda, foquei na psicologia e deixei a contabilidade com quem realmente entende. Nós, psicólogos, precisamos desse apoio. Eu demorei muito para entender que dar conta não é fazer tudo sozinha—.

O Ministério da Saúde registrou 11.502 internações por tentativa de suicídio no SUS em 2023, uma média de 31 por dia, e estima que ao menos 32 brasileiros tiram a própria vida diariamente em 2025. Esses números reforçam a urgência de ampliar os olhares da campanha Setembro Amarelo para além do público tradicionalmente visado, incluindo os próprios profissionais de saúde mental.

Para a psicóloga clínica e psicanalista Karine Pithon, os efeitos do empreendedorismo sobre a saúde emocional são agravados por fatores culturais e sociais.

— Empreender já é um desafio e, nessa jornada, caminham juntos o medo e o desejo. Uma das maiores dificuldades consiste na sustentação dessa escolha, que gera instabilidade emocional. O excesso de trabalho e a busca pelo poder enfraquecem a mente humana e alimentam o ego. O empreendedor precisa de um percurso na sua terapia, tendo em vista o processo de autoconhecimento e acolhimento. Com isso, fica mais fácil estabelecer uma rotina de autocuidado, sabendo separar as demandas de trabalho dos momentos de lazer na vida pessoal—.

O modelo de trabalho autônomo no Brasil é baseado na ideia de independência profissional, mas esse formato também envolve desafios que podem impactar diretamente a saúde mental dos profissionais. Entre esses desafios estão a sobrecarga de tarefas administrativas, a instabilidade financeira e a ausência de redes de apoio estruturadas.

No caso dos psicólogos autônomos, esses fatores se somam à responsabilidade clínica, criando um cenário de vulnerabilidade emocional que nem sempre é reconhecido. Por isso, especialistas apontam que é importante ampliar o olhar das campanhas de prevenção ao suicídio para também considerar os profissionais da saúde mental que atuam de forma independente e que, muitas vezes, não contam com os recursos necessários para cuidar de si.