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04/09/2025

Tarifa dos EUA a 50%: risco sistêmico para o Brasil e seu dinheiro

A tarifa de 50% anunciada pelos Estados Unidos contra produtos brasileiros não é apenas mais uma disputa comercial. É um choque sistêmico que expõe fragilidades estruturais do Brasil e redefine as rotas globais de produção, distribuição e investimentos. Os setores mais atingidos são claros: café, suco de laranja, carne bovina, frango e soja processada.

Mas o que poucos perceberam até agora é que essa tarifa tem potencial de gerar efeitos indiretos tão relevantes quanto os diretos. Por exemplo, há risco de aumento no custo do crédito rural e industrial nos próximos meses, já que bancos e fundos podem reprecificar contratos de financiamento agrícola e linhas de exportação diante da redução de receitas previstas no fluxo de caixa das empresas exportadoras. Também deve haver impacto na logística, com terminais portuários e operadores de transporte rodoviário e ferroviário enfrentando menor demanda para cargas destinadas ao mercado americano – o que pressiona o custo fixo do setor para todas as rotas.

Outro ponto pouco discutido é o risco cambial para pequenas e médias empresas exportadoras. Muitas ainda operam sem hedge (proteção cambial) estruturado. Com a expectativa de menor entrada de dólares no Brasil, o real tende a se desvalorizar, o que, paradoxalmente, pode compensar parte da perda de competitividade, mas apenas para quem tiver capital de giro e contratos flexíveis para absorver a volatilidade do câmbio e o descasamento de prazos de recebíveis.

E o que fazer diante desse cenário? Para o Brasil, a resposta estratégica passa por três frentes: intensificar acordos comerciais com China, Europa e África, que já compram parte relevante do agro e da indústria nacional; acelerar investimentos em tecnologia de rastreabilidade e certificação sanitária para ampliar acesso a novos mercados; e fortalecer mecanismos de crédito e seguro rural para evitar colapso financeiro de pequenos produtores com menor margem de operação.

Para o investidor brasileiro, o ajuste precisa começar agora. A primeira medida é revisar a exposição em empresas fortemente dependentes dos EUA e avaliar alternativas em companhias exportadoras com operação global mais diversificada. Também é hora de observar fundos de infraestrutura e logística voltados a mercados asiáticos e africanos, que tendem a ganhar força com o redirecionamento de fluxos de exportação.

Outra estratégia pouco discutida até agora é a avaliação de fundos globais com exposição a players concorrentes do Brasil, como Vietnã, Tailândia e Índia, que podem capturar contratos perdidos pelas exportadoras brasileiras, gerando ganhos indiretos para o investidor que estiver posicionado nesses mercados.

Além disso, ativos dolarizados e fundos cambiais voltam a ganhar importância no curto prazo como instrumento de proteção. E, no cenário de médio prazo, é preciso monitorar o calendário diplomático: até 18 de agosto, empresas e governo brasileiro podem protocolar exceções junto à USTR; em 3 de setembro, audiência pública definirá detalhes técnicos da tarifa; e o Brasil pode acionar a OMC, abrindo possibilidade de revisão parcial ou total da medida antes que seus efeitos plenos atinjam o fluxo de caixa das exportadoras.

A tarifa de 50% dos EUA não é apenas mais uma tensão comercial. É um lembrete claro de que riscos geopolíticos podem reconfigurar cadeias produtivas e fluxos financeiros globais em dias, afetando desde o pequeno produtor até fundos de pensão e investidores de varejo. Ajustar a carteira agora não é pânico – é estratégia para proteger patrimônio e se posicionar para capturar oportunidades quando o comércio global se reorganizar.

Por: Raul Sena, especialista em mercado financeiro, educador de finanças e investimentos, fundador da AUVP Capital e eleito pela Anbima o principal influenciador de finanças do Brasil em 2024.