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03/09/2025

Valuation esticado: o elástico que pode arrebentar

Quando retornei ao Brasil após uma trajetória nos Estados Unidos em investimentos alternativos, em 2019, o país vivia um momento de otimismo. O cenário macro era favorável: juros baixos, maior apetite ao risco e um fluxo crescente de capital global chegando à região. O mercado de tecnologia começava a amadurecer, e ganhava força a expectativa de que, enfim, a América Latina viveria seu melhor momento em inovação começando pelas fintechs.

Nos anos seguintes, o mercado se aqueceu rapidamente, culminando em 2021. Foi um período de excessos. Lembro claramente de um e-commerce que levantou quatro rodadas no intervalo de um único ano, atingindo o status de unicórnio mesmo vendendo produtos que custavam para a empresa um real por oitenta centavos. Ou seja, um modelo com margem negativa, sustentado por capital abundante e por investidores que, diante da velocidade do ciclo, muitas vezes não tinham tempo para fazer conta.

Como bem observou Bill Gurley, sócio da Benchmark e investidor da Uber, GrubHub, Zillow e muitos outros, “product-market fit é infinito quando se vende 1 dólar a 50 centavos”. Ou seja, é muito fácil vender produtos abaixo do preço de custo.

E assim, a disciplina foi deixada de lado. Os investimentos se tornaram vorazes, os recordes se sucederam, e os fundamentos, muitas vezes, foram ignorados. O resultado foi uma proliferação de unicórnios que, na prática, eram muitas vezes até bons cavalos — mas sem o chifre do animal mitológico. Negócios promissores, sim, mas precificados como se o desfecho de sucesso fosse garantido.

O mais curioso é que, desde então, pouca coisa mudou nas marcas de valuation dessas empresas. Muitas seguem com o mesmo preço atribuído no auge do ciclo, mesmo com um ambiente macro e de liquidez radicalmente diferente. Nos mercados privados, essa é a regra: o preço de uma empresa é definido na última rodada e permanece inalterado até que um novo evento ocorra. Mesmo que o valor tenha mudado substancialmente, ele não se reflete nas cotas de fundo na maioria dos casos. Se não há necessidade de capital, não há reprecificação. O preço antigo continua sendo a referência, ainda que descolado da realidade.

Essa dinâmica cria distorções. Em um portfólio privado, preço e valor podem estar profundamente desalinhados — para cima ou para baixo. Esse desalinhamento, por um lado, gera oportunidades de arbitragem e retornos. Por outro, funciona como uma barreira protetora em tempos de escassez. Adiar uma rodada, nesse contexto, pode ser uma estratégia de preservação — tanto da companhia quanto da narrativa.

Nos mercados públicos, essa relação é testada diariamente. O valor, entendido como a capacidade de geração de caixa futuro ajustado ao risco, encontra seu contraponto no preço de negociação. Quando há desequilíbrio, o mercado ajusta. Nos mercados privados, o tempo é mais lento. Mas as consequências, eventualmente, chegam.

Chegamos, então, ao cenário atual do venture capital. Valuations esticados em muitos fundos. Liquidez baixa. M&As limitados por custos de capital elevados e um ambiente regulatório mais duro nos Estados Unidos. O mercado de IPOs, por sua vez, permanece fechado, com uma fila longa de candidatos aguardando o momento certo. Klarna e Stripe parecem liderar a fila, prometendo reabrir a janela como o primeiro grande caso de sucesso do novo ciclo.

Converso com muitos gestores, e uma frase que escutei recentemente de um fundo inglês com mais de 25 bilhões de dólares sob gestão resume bem o momento: “O mercado de IPOs nunca fechou. O que fechou foi o apetite de aceitar novas realidades de preço no mercado privado. Ninguém quer reprecificar suas últimas rodadas.”

Mas onde está a dor de alguns, surge a oportunidade de outros. Talvez nunca tenha existido um ambiente tão propício para investir em venture capital e growth equity. Há oportunidades reais em empresas de qualidade, transações secundárias entre fundos, e alocações estratégicas em negócios que até pouco tempo atrás estavam fora de alcance — não por mérito, mas por excesso de competição e preço.

Estamos no terceiro ano do ciclo, e a hora chegou. Todos querem ver o retorno do capital. Isso cria uma janela única: empresas excelentes, a preços justos equilibrando incentivos de interesse dentro de cada “captable”.

É aqui que a tolerância à duration se transforma em vantagem competitiva. Venture capital é, por definição, um mercado cíclico de “high beta”. E neste momento, estamos vivendo o ciclo de entrada. Oportunidade não se mede pelo que foi, mas pelo que está por vir. E, agora, o preço voltou a conversar com o valor.

Por: Carlos Simonsen, managing partner da Upload Ventures e fundador da Corton Capital, com mais de 12 anos de experiência em venture capital e private equity.