O governo federal anunciou, recentemente, o “Plano Brasil Soberano”, que foi alardeado como uma resposta firme e estratégica ao tarifaço norte-americano. Uma forma de defender a economia nacional de um ataque comercial.
O plano contém créditos, incentivos e arsenal de medidas “ditas” emergenciais para socorrer os setores exportadores, mas que só entrará em vigor em 2027. Por essse motivo o plano levanta dúvidas quanto á sua eficácia.
O plano contém: R$ 30 bilhões em crédito via FGE-Fundo Garantidor de Exportações (fundo de natureza contábil, vinculado ao Ministério da Fazenda que tem por finalidade dar cobertura ás garantias prestadas pela União nas operações de seguro de crédito à exportação), prorrogação de drawback (criado pelo Decreto-Lei nº 37, o drawback é um regime aduaneiro especial que incentiva as exportações ao permitir a isenção ou suspensão de impostos sobre matérias-primas usadas na fabricação de produtos destinados ao exterior. Na prática, as empresas podem importar ou adquirir insumos no mercado interno sem pagar determinados tributos, desde que eles sejam utilizados para produzir bens que serão exportados. A redução ou eliminação de impostos diminui o custo de produção e aumenta a competitividade dos produtos brasileiros no mercado internacional), ajustes no FGE, possibilidade de compras públicas de produtos que perderem mercado externo e exigências de conteúdo nacional para acessar as linhas de financiamento.
É um pacote robusto no papel, mas que nasce com data para entrar em vigor somente em 2027, quando a reforma tributária for implementada – se não for adiada – promete eliminar os resíduos tributários nas exportações.
No próprio ato, o ministro Fernando Haddad deixou claro o cerne do problema: “Como a reforma tributária ainda não está em vigor, temos resíduo de impostos que são exportados e isso encarece a mercadoria. Se o exportador tem a garantia de receber parte disso como crédito tributário, ele consegue baratear o seu produto e enfrentar uma concorrência internacional mais acirrada.” A declaração evidencia um diagnóstico antigo: tributamos errado quem vende para fora e, ao invés de corrigir a estrutura, oferecemos um benefício temporário que serve apenas para tapar o buraco por dois anos.
O crédito tributário anunciado funcionará como uma antecipação parcial de valores. Até 2027, o governo tenta reduzir a pressão imediata de um cenário hostil, no qual os EUA impuseram tarifas de até 50% a produtos brasileiros, afetando diretamente setores como carne bovina, café, laticínios e manufaturados. No entanto, a medida não altera o custo estrutural de produzir e vender no Brasil.
De Cuiabá, onde participei da Expoecos 2025 com palestra sobre economia tributária no atacado e varejo, acompanhei também a reação de diversas entidades. A Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat), que representa os pecuaristas do estado, foi taxativa: o produtor já está pagando essa conta desde o anúncio do tarifaço, com perda de quase R$ 400 por boi abatido e prejuízo diário de US$ 12 milhões com a queda da arroba. Na nota divulgada no evento, a associação reforçou que qualquer compensação deveria começar pelo pecuarista, não por quem repassa custos adiante. “Não há sentido algum dar incentivo a quem já se preveniu repassando seus prováveis futuros prejuízos ao produtor que sempre paga a conta”, disse a entidade.
O impacto setorial é desigual. Grandes tradings e exportadores têm mais instrumentos para repassar custos ou ajustar contratos no mercado internacional. Já o produtor primário, especialmente na pecuária, enfrenta a perda direta de receita, sem margem para se proteger no curto prazo. A lógica da Acrimat é simples: se há R$ 30 bilhões para socorrer o setor exportador, que uma parte significativa desse valor vá para quem absorveu de imediato o golpe do tarifaço e hoje vê sua rentabilidade evaporar.
O crédito tributário, portanto, dá um sopro de fôlego, mas não é cura. Não resolverá a crise que o agronegócio já enfrenta, na prática. É oxigênio de emergência para um paciente que segue no mesmo leito, com a cirurgia — a reforma tributária. Nesse intervalo, o risco é o de sempre: ou a medida expira antes de cumprir seu papel ou se eterniza, corroendo a lógica do sistema. O setor exportador agradece o gesto, mas sabe que respira por aparelhos — e que, no Brasil, o temporário raramente termina como planejado.
A medida emergencial do governo, com vigência prevista para 2027, apresenta desafios críticos. A decisão de adiar a implementação para dois anos após o anúncio levanta questões sobre a urgência da situação e a credibilidade do plano, além de gerar incertezas sobre a eficácia da reforma tributária que a medida supostamente complementa. A falta de clareza sobre a natureza e o impacto da medida, somada à incerteza fiscal para 2027, cria um cenário preocupante.
• Por: Eduardo Berbigier, advogado tributarista, especialista em Agronegócio, membro dos Comitês Juridico e Tributário da Sociedade Rural Brasileira e CEO do Berbigier Sociedade de Advogados.