A expansão da produção de biocombustíveis, incentivada por políticas e acordos nacionais e internacionais gera, há mais de 15 anos, questionamentos quanto ao seu desempenho ambiental. O conceito ganhou força internacionalmente a partir do estudo de Searchinger et al. (2008), que questionou a sustentabilidade da produção de biocombustíveis, particularmente do etanol de milho produzido nos Estados Unidos, que poderiam ter emissões de gases de efeito estufa (GEE) maiores do que os combustíveis fósseis, se contabilizados os efeitos indiretos do uso da terra. Potencialmente, tais efeitos são causados pela necessidade de expandir a produção agrícola em novas terras, para compensar culturas desviadas do uso original para o de biocombustíveis. Com isso, a mudança do uso da terra (MUT) pode resultar em emissões significativas de GEE e minar a economia de carbono associada ao uso de biocombustíveis.
Nos últimos anos, as práticas agrícolas e tecnologias relacionadas à produção de milho deram um salto significativo em direção ao aumento da produtividade. Avanços recentes em tecnologia agrícola possibilitaram a disseminação de sistemas de produção em múltiplas safras. Como benefícios, além de uma maior produção por área, as lavouras de segunda safra permitem uma melhor proteção do solo e otimização dos recursos no processo de produção agrícola. O milho de segunda safra, cultivado de forma sucessiva à cultura da soja, tem desempenhado um papel crucial no debate sobre a maior eficiência do uso da terra na agricultura moderna. Adicionalmente, do ponto de vista da agricultura, a opção mais econômica para os agricultores é otimizar a terra e os recursos para produzir um bem a mais. O sistema soja-milho permite o aproveitamento de uma janela de cultivo adicional durante o ano agrícola, maximizando a utilização da mesma área, gerando efeitos positivos no solo quando comparado ao monocultivo dessas duas culturas produzidas de forma separada.
Aperfeiçoamentos tecnológicos e condições climáticas regionais permitiram o plantio precoce da soja e o cultivo em sucessão do milho no final da década de 1990. Praticamente a totalidade, cerca de 99% do milho originado no estado de Mato Grosso, onde estão localizadas a maior parte das indústrias de etanol de milho, é proveniente de segunda safra.
Entre 2000/01 e 2024/25 a área de milho de segunda safra no Brasil expandiu em aproximadamente 14 milhões de hectares (Mha). Por outro lado, a área de milho primeira safra reduziu em 6,8 Mha. Neste mesmo período, a área de soja passou de 14 Mha para 47Mha, uma expansão de 33 Mha.
Na região Centro-Oeste, que concentra 72% da produção de milho segunda safra do Brasil, a área de soja 2004/05 era de 10,8 milhões de hectares, equivalente a área de milho segunda safra observada nesta região em 2024/25. (Conab, 2025). Nesses últimos 20 anos a área de soja expandiu em 103%, sendo que apenas 50% dos atuais 22 milhões de hectares de soja, apenas 50% são cultivados com milho de 2.a safra, ou seja, ainda restam 50% que podem ser utilizados para a produção de culturas de segunda safra.
Esse cenário é um indicativo que a expansão da produção de milho segunda safra na região Centro-Oeste ocorreu principalmente sobre áreas de soja já consolidadas há muitos anos (Corbeels et al., 2016; EMBRAPA, 2020). Além disso, na safra 2024/25, aproximadamente 50% da área de soja está ocupada com milho segunda safra na região Centro-Oeste (Conab, 2025), restando ainda 50% que pode ser utilizado para a produção de culturas de segunda safra.
O sistema de produção do etanol de milho de segunda safra otimiza o uso da terra e reduz a necessidade por áreas agrícolas. Esse é um dos resultados do estudo publicado na revista Nature Sustainability (Gurgel, et al. 2024), o qual mostra que um incremento de 5 bilhões de litros de etanol de milho de segunda safra gera: expansão de 600 mil hectares (ha) de milho de segunda safra no Brasil em áreas de soja já consolidadas; redução da demanda de milho e farelo de soja para a alimentação animal, com substituição pelos Dried Distillers Grains (DDG), coproduto da produção de etanol, resultando na liberação de 25.000 ha de área agrícola; intensificação da pecuária e redução da área de pastagem em 168 mil ha; aumento do reflorestamento em 50 mil ha.
Isso mostra, que o sistema produtivo do etanol de milho de segunda safra é capaz de produzir etanol, produtos para nutrição animal, otimizando o uso da terra, sem demandar área adicional sobre outros usos e liberando área para a produção de alimentos.
. Referências: Conab (2025). Acompanhamento da Safra Brasileira de Grãos. Disponível em: .Corbeels, M., Marchão, R. L., Neto, M. S. et al. Evidence of limited carbon sequestration in soils under no-tillage systems in the Cerrado of Brazil. Sci Rep 6, 21450 (2016). www.nature.com/articles/srep21450 . | Embrapa (2020). Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Tecnologias de produção de soja. Londrina: Embrapa Soja, 2020. Disponível em: Gurgel, A.C., Seabra, J.E.A., Arantes, S.M. et al. Contribution of double-cropped maize ethanol in Brazil to sustainable development. Nat Sustain 7, 1429–1440 (2024). www.nature.com/articles/s41893-024-01424-5 . |Searchinger et al. (2008). Use of US croplands for biofuels increases greenhouse gases through emissions from land-use change. Science, 319, 1238-1240.
• Por: Luciane Chiodi Bachion, sócia da Agroicone. Luciane é especialista em modelagem matemática e econométrica, análise da dinâmica dos setores agrícolas e temas ambientais. Coordena pesquisas na área de sustentabilidade da produção agrícola, de comércio internacional e de inteligência de mercado para as cadeias agrícolas. Participou do desenvolvimento do Modelo de Uso da Terra para a Agropecuária Brasileira (Blum) e do desenvolvimento do “Outlook Brasil 2022: projeções para o agronegócio”, como responsável pela modelagem e análise do setor de grãos. Possui experiência em modelagem estatística, utilizando a abordagem Bayesiana e de séries temporais em Madrid e São Paulo. Licenciada em matemática pela UNESP e mestre em Comércio Exterior pela Universidade Carlos III de Madrid e em Economia Aplicada pela ESALQ/USP.
• Por: Sofia Marques Arantes, pesquisadora da Agroicone. Sofia possui experiência no setor sucroenergético, bioenergia, agricultura e sustentabilidade. Conhecimento em modelagem, com foco em projeções e simulações socioeconômicas e de uso da terra. Bidiplomação em Relações Internacionais e Economia pela FACAMP, com mestrado em Planejamento Energético pela Faculdade de Engenharia Mecânica/UNICAMP e atualmente, estudante de doutorado no mesmo programa e instituição. | A Agroicone é uma organização que gera conhecimento e soluções para transformar a agropecuária brasileira diante dos desafios globais do desenvolvimento sustentável. Atua em cinco áreas estratégicas: i) comércio internacional e temas globais; ii) sustentabilidade e inteligência territorial; iii) políticas públicas; iv) negócios, mercados e financiamento; e v) tecnologias em cadeias agro. A Agroicone é formada por uma equipe multidisciplinar, com vasta competência nas áreas econômica, regulatória/jurídica, territorial, socioambiental e de comunicação.