julia-reina

05/08/2025

Marketing do zero: liderança, estratégia e impacto real nos primeiros 100 dias

Criei áreas de marketing do zero algumas vezes. A primeira, em 2018, foi um desastre. Entrei em uma empresa de marketing de aquisição, majoritariamente composta por engenheiros, com a missão de construir uma frente de branding. A comunicação entre nós simplesmente não acontecia: eu não compreendia o que eles queriam, e eles não compreendiam o valor do que eu entregava. Montamos duas startups, com uma equipe enxuta, sem orçamento, e mais tropecei do que avancei. O aprendizado veio, mas à base de muita frustração.

Mesmo assim, em 2019, segui acreditando que era possível fazer diferente. Entrei em uma startup de milhas e pontos, ainda em um cenário de estrutura limitada, mas dessa vez com maior clareza sobre o que precisava ser feito. Melhorei a presença digital e fui peça importante na construção de parcerias e na transição estratégica para o B2B. Ainda estava longe do modelo ideal, mas ali algo despertou, talvez o início de uma vocação para construir do zero.

De lá pra cá, já são mais três áreas de marketing estruturadas do zero. Com muitos erros, claro, mas também com uma noção muito mais precisa do que poderia ter evitado dores desnecessárias. Porque, embora hoje se fale mais sobre isso, naquela época quase ninguém compartilhava experiências reais sobre o que é, de fato, começar uma área de marketing do zero. Passei madrugadas buscando esse tipo de conteúdo. Tudo que encontrava era excessivamente teórico, genérico, ou voltado a empresas que já tinham alguma estrutura. Nada me preparou para a complexidade prática do “mato alto”.

Criar marketing do zero é, antes de mais nada, um exercício de estratégia, escuta ativa e resistência ao improviso. Isso vale para empresas novas, produtos inéditos, ou organizações que, mesmo maduras, só agora decidiram investir seriamente em marketing. É o caso de muitos setores técnicos, engenharia, jurídico e construção civil, onde o marketing tradicionalmente não fazia parte da estrutura. Quando essa decisão finalmente chega, ela geralmente vem carregada de expectativa, mas pouca clareza.

O primeiro passo é o alinhamento. Antes de criar campanhas ou montar time, é preciso entender quais dores justificam a existência do marketing dentro daquele negócio. Conversas profundas com o CEO, fundadores e líderes comerciais são indispensáveis. Quando o objetivo ainda não está claro nem para a liderança, cabe ao profissional de marketing fazer as perguntas certas, reunir dados, ouvir clientes e observar a concorrência. O benchmarking ajuda não para copiar, mas para compreender quais padrões valem a pena ser rompidos, com consciência.

Logo nos primeiros dias, é essencial documentar hipóteses, percepções e necessidades observadas. Esse mapeamento será a base de um plano sólido e, ao mesmo tempo, permitirá identificar os primeiros quick wins, entregas rápidas e de alto impacto que geram confiança, aumentam a moral do time e ajudam a justificar investimentos. Essa fase inicial também é o momento de consolidar a própria liderança. Os primeiros 100 dias são determinantes para definir o papel estratégico do marketing dentro da organização. É nesse intervalo que se constrói (ou perde) a confiança da alta gestão e que se mostra, na prática, que marketing não é “refazer a marca”, mas pavimentar sua reputação e seu crescimento.

Mas há uma armadilha: tentar agradar demais, dizer “sim” para tudo e se desviar do foco. Criar do zero exige disciplina para sustentar o essencial. Lembro de estar em uma sala com os principais diretores de uma empresa e perceber que não havia consenso nem sobre o que a empresa vendia, tampouco sobre quem era seu cliente ideal. Organizei entrevistas com stakeholders, coletei dados, transformei tudo em um workshop e expus a divergência de forma estruturada. Foi desconfortável, mas necessário. E ali ganhei meu espaço como liderança estratégica, e não apenas executora.

Corra, Marketing, Corra — É importante lembrar que reputação começa por dentro. A forma como você se posiciona internamente influencia diretamente a legitimidade do marketing. Fazer bem o básico, com consistência, constrói credibilidade. E sem essa base, não há campanha, evento ou conteúdo que sustente a narrativa da marca.

Por fim, o início de uma estrutura de marketing exige agilidade e humildade. Processos simples, ferramentas práticas e uma cultura de experimentação são indispensáveis. Michael Watkins, em The First 90 Days, afirma que quem aprende mais rápido, vence mais rápido. E isso se aplica perfeitamente aqui: teste, aprenda, ajuste, e faça isso sem depender de grandes verbas. O mais importante é gerar clareza, alinhar expectativas e construir uma base sólida para que a área de marketing seja percebida não como custo, mas como alavanca de negócio.

Construir do zero não é fácil. Mas é, sem dúvida, uma das experiências mais formadoras que um profissional pode ter. E, com um pouco mais de compartilhamento e menos idealização, esse caminho pode ser mais leve para quem vem depois.

Por: Julia Reina, formada em Jornalismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, possui formações complementares em Media Planning pela NYU School of Professional Studies, Account Planning pela Miami Ad School/ESPM, Digital Branding pela ESPM e Programa Avançado em Sustentabilidade pelo Insper e acredita que marcas fortes se constroem com propósito, responsabilidade e eficiência.

Atualmente à frente do marketing da Ecom Energia, é especialista em comunicação B2B, marketing integrado e posicionamento estratégico, com atuação focada em crescimento, reputação e resultados consistentes. Já atuou em veículos de mídia e agências como Edelman, liderou o marketing do Kayak no Brasil e do Momondo em Portugal, além de apoiar startups em diferentes setores.