O benefício do crédito presumido não pode limitar o crédito de insumos não vinculados à operação beneficiada.
Sabe-se que o ICMS tem o princípio da não cumulatividade, previsto no artigo 155, §2º, inciso I, da Constituição Federal, como seu pilar estrutural, assegurando que este imposto não seja cobrado repetidamente ao longo das etapas de circulação da mercadoria, permitindo ao contribuinte a compensação do valor de ICMS pago nas suas aquisições com o imposto devido nas operações subsequentes. No Estado de São Paulo, tal disposição foi trazida pelo artigo 59 do RICMS.
Em suma, os insumos consumidos no processo produtivo de bens cuja saída é regularmente tributada pelo ICMS podem ser integralmente creditados quando de sua aquisição. A contrario sensu, por decorrência lógica do referido princípio, é necessário o estorno do crédito de ICMS de insumos utilizados no processo produtivo de mercadorias cujas saídas não resultam em débito do imposto (seja por isenção ou não incidência), conforme elucidado, também neste âmbito estadual, pelo art. 60 do RICMS.
Em relação aos chamados insumos mistos, utilizados em saídas com e sem destaque do ICMS, muito embora não haja previsão expressa, também em respeito ao princípio da não cumulatividade, é forçoso concluir que o contribuinte tem direito ao crédito do referido imposto, na proporção das saídas com destaque do imposto, no exato sentido do posicionamento exarado pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo na Resposta à Consulta 4568/2014, nos seguintes termos:
“Com relação ao aproveitamento dos créditos referentes à aquisição de insumos comuns, utilizados em suas diversas operações (descritas no item 1 desta resposta), confirmamos o entendimento de que a Consulente terá direito apenas à parcela proporcional referente às saídas tributadas ou não tributadas com direito à manutenção do crédito (artigos 60 e 61, e 66 a 68, todos do RICMS/2000).”
Diante de tal cenário, merece destaque o tratamento conferido ao crédito outorgado de 7% previsto no artigo 40 do Anexo III do RICMS/SP, aplicável às saídas internas de carnes e demais produtos comestíveis (frescos, congelados, resfriados etc.) decorrentes do abate de determinadas espécies animais. O dispositivo determina, de forma expressa, que a adoção do benefício substitui o aproveitamento de quaisquer outros créditos de ICMS, sem considerar, no entanto, a eventual existência de processos produtivos paralelos — uns beneficiados pelo crédito outorgado e outros não — como é o caso da produção de subprodutos, embutidos, enlatados, entre outros.
Nesses casos e em linha com o princípio da não cumulatividade, é de se concluir que, (i) os insumos adquiridos e diretamente vinculados às operações beneficiadas pelo crédito outorgado não darão direito à manutenção do crédito de ICMS, uma vez que expressamente vedado pelo dispositivo, (ii) os insumos mistos, comumente utilizados na produção de mercadorias cuja saída seja beneficiada e não beneficiada pelo crédito outorgado, serão proporcionalizados com a finalidade de determinar a parcela vinculada à atividade beneficiada com direito à manutenção do crédito do imposto e (iii) os insumos direta e exclusivamente vinculados à operação cujos produtos não são beneficiados com o crédito outorgado e possuem tributação regular, darão direito à manutenção integral do crédito de ICMS.
Ocorre, contudo, que especificamente em relação ao crédito do ICMS decorrente das operações beneficiadas pelo crédito outorgado do art. 40, Anexo III, do RICMS/SP, o Governo Paulista editou a Portaria CAT 55/2017, por meio da qual estabelece regra de proporção do crédito dos insumos, a fim de delimitar que o estorno seja realizado apenas na medida em que utilizado na fabricação de produtos beneficiados.
Em suma, a Portaria CAT 55/2017 estabelece simples fórmula de proporção para apuração do montante a ser estornado pelo contribuinte (E), qual seja, a razão entre as saídas beneficiadas (B) sobre o total de saídas realizadas (T), multiplicada pelo montante de crédito escriturado (C) (“E = B/T x C”).
O artigo 4º da Portaria ressalva, inclusive, que devem ser observadas as demais normas da legislação paulista que autorizam a manutenção de créditos relativos a operações não amparadas pelo benefício — o que reforça a ideia de que o estorno proporcional não deve alcançar créditos decorrentes de insumos utilizados exclusivamente em operações sem o crédito outorgado.
Por não haver menção expressa na referida Portaria em relação aos créditos que devem ser considerados na variável “C” como “valor do crédito escriturado no período”, ou seja, se aqueles decorrentes da aquisição de todo e qualquer insumo (ainda que não vinculado às saídas não beneficiadas pelo crédito outorgado) ou somente aqueles decorrentes de eventuais insumos comumente utilizados na fabricação de produtos beneficiados e não beneficiados pelo crédito outorgado, os contribuintes se socorreram do mecanismo de Consulta Tributária com a finalidade de obter posicionamento expresso da Secretaria da Fazenda para correta aplicação da regra de proporção.
Contudo, longe de esclarecer a questão e gerando ainda maior incerteza e dúvida sobre o assunto, a Consultoria Tributária da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo formalizou entendimento na Resposta à Consulta Tributária nº 31688/2025, no sentido de que deve ser considerado na variável “C” (valor total do crédito escriturado no período), “todo e qualquer crédito a que o contribuinte faria jus, independentemente do crédito outorgado em análise (…) com exceção daqueles previstos no § 4º do artigo 40 do Anexo III do RICMS/2000”, sem enfrentar a ressalva do artigo 4º da própria Portaria CAT 55/2017.
Ocorre que, como demonstrado inicialmente, admitir a inclusão de todo e qualquer crédito na regra de proporção, contraria a lógica imposta pelo próprio princípio da não cumulatividade, uma vez que os insumos diretamente e exclusivamente utilizados em operações cujo produto resultante tenha sua saída regularmente tributada não podem ser incluídos na referida regra de proporção, pois resultará em indevida majoração do valor do crédito a ser estornado no período e violação ao princípio da não cumulatividade, diminuindo, inclusive, o alcance do benefício instituído pelo Estado de São Paulo.
• Por: Thais Simões de Oliveira Belline e Laura Arnaud Melo Coiro, advogadas do ButtiniMoraes Advogados.