O recente anúncio dos Estados Unidos, liderado por Donald Trump, de impor tarifa de 50% sobre produtos brasileiros representa um dos episódios mais marcantes e desafiadores das relações comerciais entre os dois países nas últimas décadas. Entre os países afetados por medidas tarifárias, o Brasil ocupa uma das posições mais duras, sendo um dos mais penalizados – o que levanta não apenas dúvidas sobre os critérios econômicos da decisão, mas também sobre seu viés político.
Do ponto de vista da reciprocidade comercial, a medida encontra alguma justificativa. O Brasil ainda é um dos países mais fechados do mundo em termos de comércio internacional, com tarifas médias elevadas para produtos importados. Enquanto os EUA praticam uma média tarifária de 2%, o Brasil mantém políticas protecionistas que encarecem significativamente o custo de produtos estrangeiros. Esse descompasso, embora real, não justifica, por si só, uma tarifa tão elevada e abrupta – especialmente considerando que, atualmente, o Brasil tem déficit comercial com os EUA. Importamos mais deles do que exportamos, o que torna a justificativa americana de combate ao déficit comercial frágil no caso brasileiro.
O impacto direto dessa medida é expressivo: as exportações brasileiras para os EUA representam cerca de 12% do total, afetando principalmente estados como Ceará (52% das exportações destinadas aos EUA), Espírito Santo (33%), Sergipe (31%) e São Paulo (19%). Com essa tarifa, empresas desses estados enfrentam riscos de perda de competitividade, redução de margens de lucro e até demissões – configurando um novo tipo de risco: o tarifário.
Diante disso, é natural se perguntar: como o Brasil deve reagir? A retaliação direta com tarifas semelhantes não deve ser a primeira opção, uma vez que a posição brasileira no comércio global é mais frágil do que a de potências como a China, que têm musculatura para sustentar guerras comerciais. A melhor estratégia seria usar o episódio como oportunidade para iniciar um processo de abertura comercial, reduzindo nossas próprias tarifas e aproximando nossa média da praticada por economias mais desenvolvidas.
A abertura não deve ser vista como ameaça à indústria nacional, mas como política de proteção ao consumidor, algo que as economias mais avançadas já fazem há décadas. Importar produtos mais baratos – como tecnologia, insumos industriais e máquinas – é essencial para aumentar a produtividade brasileira. Isso beneficia não somente as empresas, mas sobretudo os consumidores de baixa renda que terão acesso a produtos mais baratos e, consequentemente, terão seus salários reais ampliados.
Nesse contexto, acordos como o Mercosul-União Europeia ganham nova relevância. A conclusão dessas negociações poderá diversificar os parceiros comerciais do Brasil, reduzindo nossa dependência dos Estados Unidos e da China. Essa diversificação é fundamental não apenas para mitigar riscos geopolíticos e comerciais, como também para impulsionar o crescimento econômico interno com acesso a insumos e tecnologia de ponta.
É importante destacar que o ambiente atual do comércio internacional está cada vez mais instável. O anúncio de Trump – inclusive em relação ao Canadá, um aliado histórico – mostra que não há mais garantias de previsibilidade no comércio global. Isso exige que o Brasil repense sua inserção no mundo, buscando mais flexibilidade, competitividade e, acima de tudo, autonomia.
Finalmente, do ponto de vista dos investidores, o episódio reforça a importância da diversificação dos portfólios. Na Oryx Capital, temos adotado estratégias que equilibram a exposição entre Brasil, Estados Unidos e Europa, de modo a reduzir a sensibilidade a choques pontuais como o atual. É hora de o Brasil agir com inteligência estratégica. A crise traz riscos reais, mas também abre espaço para uma virada histórica em nossa política comercial.
• Por: Luiz Arthur Fioreze, diretor de Gestão de Fundos da Oryx Capital, gestora especializada em investimentos internacionais.