Os recentes discursos do presidente norte-americano Donald Trump contra o uso da energia solar e fontes limpas reacenderam incertezas no setor energético global. Durante sua posse no início do ano, Trump defendeu abertamente o aumento da produção energética a partir do carvão como forma de combater a vantagem econômica da China, ao mesmo tempo em que prometeu desmantelar as políticas ambientais criadas pelo antecessor. Conhecido por seu ceticismo em relação às mudanças climáticas, tendo inclusive às descrito como “uma das maiores tapeações de todos os tempos”, o mandatário reabre uma cicatriz no processo da transição energética.
Como uma das maiores economias do planeta, os Estados Unidos, influenciam profundamente o ritmo e a direção da renovação energética no mundo. Quando o país avança, ele impulsiona inovação tecnológica, reduz custos de produção, estabelece parâmetros regulatórios e molda até mesmo a cultura empresarial em outros continentes. Porém, quando recua, cria incertezas, retrai investimentos e desorganiza cadeias de suprimento globais. Portanto, as falas de Trump têm peso significativo, especialmente em um momento de reestruturação econômica pós-pandemia e de crescente preocupação com a crise climática.
Ainda assim, é importante relativizar o impacto desse revés. Apesar do eventual retrocesso nos EUA, outras potências seguem comprometidas. A Europa mantém suas metas ambiciosas e investimentos robustos, enquanto a Ásia, liderada principalmente por China e Índia, acelera com vigor a adoção de fontes renováveis. Na África, surgem soluções descentralizadas e inovadoras que visam democratizar o acesso ao abastecimento limpo. Em escala global, portanto, os indicativos mostram que a tendência das energias renováveis não perdeu força.
Dentro desse contexto, o Brasil se vê diante de uma encruzilhada estratégica. Por um lado, a desaceleração do entusiasmo norte-americano pode sim resultar em um eventual enfraquecimento do ímpeto político e institucional que impulsiona grandes investimentos na área. Isso porque, a ausência de um líder global como os EUA pode reduzir o senso de urgência e comprometer a escala de projetos estruturantes. Por outro lado, porém, essa mesma hesitação pode abrir janelas de oportunidade para países emergentes que se mostrem comprometidos e organizados.
Se o capital internacional deverá buscar alternativas à instabilidade dos EUA, o Brasil pode se consolidar de vez como uma peça-chave no novo tabuleiro energético do planeta. Com cerca de 85% da matriz elétrica composta por fontes renováveis — um índice amplamente superior à média mundial de 30% —, abundância de recursos naturais, território vasto e demanda reprimida, o país oferece um terreno fértil para expansão das renováveis e tem todas as credenciais para ocupar o espaço como protagonista desse setor.
Somente no último ano, o Brasil adicionou 10,85 GW à sua capacidade instalada, sendo 91% provenientes de fontes limpas, e já ocupa posições de destaque no ranking mundial: 5º em capacidade instalada de energia solar (53,9 GW) e 6º em geração (74 TWh). A rápida expansão da energia eólica, com 121 novos projetos só no último ano, e os mais de 100 projetos offshore em análise no Ibama, reforçam essa tendência. Além disso, o avanço em tecnologias emergentes como o hidrogênio verde — com investimentos previstos de até US$ 30 bilhões — mostra que apenas seguimos na vanguarda da geração renovável, mas também temos nos posicionado estrategicamente para liderar os próximos ciclos de inovação energética no mundo.
Já temos um mercado bem desenvolvido nessa frente, mas para assumirmos esse papel será preciso mais do que boas intenções, mas um discurso coerente, políticas públicas consistentes e ações que demonstrem alinhamento entre metas e práticas. Enquanto Trump tenta reacender o carvão como símbolo de soberania energética, o Brasil pode apostar no sol, no vento e na inovação como pilares para assumir um protagonismo global na temática. Se o século XXI será moldado pelas decisões que tomarmos hoje, o Brasil precisa decidir se será coadjuvante ou protagonista na questão energética. A hesitação americana pode ser um duro golpe à causa global das renováveis, mas também uma rara oportunidade para o Brasil emergir como líder. Se posicionar agora como uma potência verde pode ser, além de uma escolha ética, uma jogada geopolítica inteligente.
• Por: Luca Milani, CEO e fundador da 77Sol, maior e mais completo ecossistema de energia solar brasileiro. | https://77sol.com.br