Não tem um dia em que eu não abra o computador e acione a inteligência artificial para resolver o que antes me tomava horas (ou dias): simular um modelo de risco para uma operação estruturada, cruzar dados abertos para validar um onboarding em tempo real ou montar uma régua de comunicação automática com base no comportamento de inadimplência. E há um motivo claro para isso: o mercado não espera.
Estamos num setor em que a concorrência é brutal, e a diferenciação cada vez mais escassa. E agora o Banco Central ainda bate à porta com o Open Finance, com desintermediação como proposta. A inteligência artificial, que já não é novidade para quem vive de dados, chegou com tudo, mas é bom lembrar que a IA não é mágica. IA é estrutura. IA é método.
O que estamos vendo não é só mais uma onda de inovação como foram os private labels, os BaaS, os adquirentes regionais ou os meios alternativos de pagamento. A inteligência artificial inaugura uma nova camada de complexidade operacional e exige reconfiguração estrutural, seja de times, sistemas, fluxos ou métricas de sucesso. Um mercado que já operava com margens apertadas verá essas margens esmagadas se não responder à altura. E não vai ser suficiente uma interface bonita ou um chatbot simpático.
A verticalização é o caminho natural em tempos de desintermediação. Mas, para quem quer sobreviver — não falo de liderar — será necessário combinar três pilares: produção tecnológica rápida, inteligência de dados e fluência operacional. Isso significa IA com workflow. IA com lógica de produto. IA com governança.
Porém, o grande desafio das empresas é, justamente, usar a inteligência artificial de forma eficiente e adequada. Ainda existe muita dúvida nesse sentido e poucos cases reais para apresentar. Isso porque a IA não é uma solução em si. É uma engrenagem. Ela precisa estar encaixada em uma arquitetura inteligente para funcionar de forma estratégica. Em outras palavras, não basta ter acesso à tecnologia, é preciso integrá-la ao seu fluxo com propósito e direção.
A primeira vez que alguém usa uma IA generativa, a experiência costuma ser ruim. O prompt é uma linguagem, e como toda linguagem, precisa ser aprendida. Eu, que já programei em Matlab, depois em R, depois em Python, aprendi a conversar com a IA. E mais importante, eu comecei a conectá-la ao meu fluxo de trabalho. Porque IA fora do processo não passa de um brinquedo de luxo.
No mercado financeiro e de pagamentos, isso ganha contornos ainda mais dramáticos. O ciclo de produto precisa ser acelerado. Um erro de timing hoje pode significar a queda de uma solução amanhã. Pense no onboarding de clientes. Se você não integrar os dados, não validar em tempo real, não cruzar bases públicas e privadas com inteligência, alguém fará isso antes. E melhor.
O mesmo vale para cobrança, crédito, gestão de risco. Tudo isso pode — e deve — ser redesenhado com IA operacional e conversacional trabalhando em harmonia. Mas isso exige algo que poucos players ainda têm, que é capacidade de orquestração. Capacidade de colocar a IA no lugar certo do processo. Capacidade de conectar dados de múltiplas fontes, transformar, testar, decidir e acionar.
E aqui volto ao começo: IA não é sobre ideias brilhantes ou promessas de eficiência. IA é sobre arquitetura. Sobre escolher bem o que vai ser salvo, em que formato, em qual nuvem. Sobre como os dados serão tratados, quais alertas serão gerados, por quais canais, e o que isso vai provocar em quem recebe. Sem governança, a IA deixa de ser ferramenta e vira risco.
Além disso, há a fluência organizacional, uma camada invisível, mas essencial, que diferencia os negócios que realmente extraem valor da IA. Não é o bastante só um time técnico competente, é necessário que todas as áreas entendam o que é possível automatizar, como interpretar os resultados e, principalmente, como tomar decisões baseadas em dados de forma responsável e eficiente.
No fim, tudo se resume a uma pergunta que nenhum executivo pode mais adiar: se amanhã seu maior concorrente lançar uma funcionalidade que você levou seis meses para estruturar, o que você faz?
A resposta, para mim, passa por três verbos: estruturar, automatizar, lançar. Ou você aprende a falar com a IA, e a colocá-la para trabalhar a seu favor, ou, em breve, estará falando sozinho.
• Por: Lígia Lopes, CEO da Teros.