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16/07/2025

Ciência e Responsabilidade no Debate sobre Agrotóxicos

A Redução do Risco Deve Prevalecer sobre a Retórica da Redução do Uso.

No último dia 30 de junho de 2025, o Presidente da República assinou o decreto que institui o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara), com base em diretrizes do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo) 2024-2027. A medida reacende o debate nacional sobre o papel dos insumos agrícolas no Brasil e o caminho que queremos trilhar para uma agricultura segura, sustentável e cientificamente embasada.

Embora o objetivo de minimizar os riscos dos agrotóxicos à saúde humana e ao meio ambiente seja legítimo — e, aliás, inquestionável — o novo decreto avança em uma direção que desperdiça uma oportunidade histórica: ao invés de promover uma política de redução do risco dos agrotóxicos, baseada em evidências científicas e inovação tecnológica, retoma a retórica simplista da redução do uso, como se todo uso de agrotóxico fosse um problema em si.

Risco ≠ Uso — É crucial separar o conceito de uso de agrotóxicos do conceito de risco. O risco depende da toxicidade da substância e da exposição. Aplicar essa lógica científica nos permite avançar no debate: é possível utilizar agrotóxicos com segurança quando há boas práticas agrícolas, produtos registrados com critérios robustos e profissionais capacitados — como exige, por exemplo, o receituário agronômico. Reduzir o uso indiscriminadamente, sem considerar o contexto produtivo, é um caminho perigoso para a segurança alimentar do país.

A Agricultura de Baixo Carbono e o Papel dos Herbicidas — Um dos grandes exemplos da função estratégica dos insumos agrícolas no Brasil está na adoção do plantio direto, prática conservacionista reconhecida internacionalmente. Segundo o Plano ABC+, mais de 32 milhões de toneladas de CO₂ são evitadas anualmente no Brasil graças à supressão do revolvimento do solo — viabilizada, em grande parte, pelo uso racional de herbicidas seletivos.

Hoje, oito dos dez agrotóxicos mais comercializados no país são herbicidas, majoritariamente utilizados para viabilizar o plantio direto. Demonizar esses produtos sem considerar os benefícios ambientais que proporcionam é negligenciar um dos mais importantes ganhos ambientais da agropecuária brasileira nas últimas décadas. A substituição desses insumos, caso feita sem critérios técnicos, pode levar à maior emissão de gases de efeito estufa (GEE), degradação do solo e perda de produtividade.

Externalidades existem — mas devem ser gerenciadas, não ignoradas — Sim, os agrotóxicos apresentam externalidades negativas, sobretudo quando mal aplicados ou desviados de seu uso autorizado. No entanto, essas externalidades não justificam uma política genérica de desestímulo ao uso, mas sim uma política inteligente de gestão de risco, que envolva:

Adoção de critérios científicos na regulação e no registro de produtos;

Monitoramento sistemático de resíduos em alimentos, água e meio ambiente;

Capacitação obrigatória de aplicadores;

Fortalecimento do receituário agronômico, com rastreabilidade e responsabilidade técnica;

Fomento à pesquisa em bioinsumos e boas práticas agrícolas, para expandir alternativas viáveis.

Esses pilares estão contemplados na proposta do Programa de Redução do Risco de Agrotóxicos (PNARRA), elaborada com base nos eixos do antigo Pronara, mas atualizada para a realidade agropecuária brasileira, reconhecendo o papel estratégico da ciência, da engenharia agronômica e das instituições reguladoras. Essa discussão ocorre no âmbito do CONFEA, ambiente técnico e adequado para esse debate.

A exclusão da ciência e dos profissionais da agronomia enfraquece o plano — Outro ponto preocupante do novo decreto é a falta de participação efetiva de setores técnicos essenciais, como a Câmara Temática de Insumos Agropecuários, o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) e a comunidade científica agronômica. Ao desconsiderar esses atores na governança do novo programa, corre-se o risco de construir uma política pública à margem do conhecimento técnico-científico acumulado — e com baixa aderência junto aos produtores e profissionais do campo.

Conclusão: por uma política pública baseada na ciência e na realidade — Reduzir os riscos associados aos agrotóxicos deve ser um compromisso nacional. Mas isso exige menos ideologia e mais ciência. O Brasil tem condições de liderar mundialmente uma agricultura eficiente, sustentável e tecnicamente qualificada — mas para isso, precisa de programas que valorizem o manejo racional, a capacitação dos profissionais, a inovação tecnológica e o protagonismo da engenharia agronômica.

Não é reduzindo o uso, mas reduzindo os riscos com base científica, que vamos garantir uma agricultura segura, produtiva e ambientalmente responsável.

Nota: Este artigo foi escrito com base na proposta do Programa de Redução do Risco de Agrotóxicos (PNARRA), desenvolvida em diálogo com pesquisadores, profissionais e representantes da sociedade civil.

Por: Luis Eduardo Pacifici Rangel, Conselheiro do CCAS. | Website: https://agriculturasustentavel.org.br e, redes sociais.