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11/07/2025

Correlação e causalidade em estudos epidemiológicos sobre efeitos de pesticidas na saúde humana

Nos estudos epidemiológicos que investigam os efeitos dos pesticidas em populações expostas, a distinção entre correlação e causalidade é fundamental para interpretar corretamente os resultados e evitar conclusões precipitadas.

Correlação: Associação entre Variáveis — A correlação refere-se a uma relação estatística entre duas variáveis, indicando que elas variam juntas de maneira previsível. Por exemplo, um estudo pode encontrar que comunidades agrícolas expostas a pesticidas apresentam taxas mais altas de determinadas doenças, como câncer ou distúrbios neurológicos. No entanto, essa associação não implica necessariamente que os pesticidas sejam a causa direta dessas doenças. Outros fatores, como predisposição genética, hábitos alimentares ou exposição a múltiplos agentes químicos, podem estar envolvidos.

Causalidade: Relação de Causa e Efeito — Para estabelecer causalidade, é necessário demonstrar que a exposição aos pesticidas é diretamente responsável pelo aumento da incidência de doenças. Isso exige estudos bem controlados, que eliminem fatores de confusão e estabeleçam um mecanismo biológico plausível. Os critérios de causalidade de Bradford Hill, amplamente utilizados na epidemiologia, ajudam a avaliar essa relação, considerando aspectos como:

Força da associação (quanto maior a correlação, maior a chance de causalidade); Consistência dos achados (repetição dos resultados em diferentes estudos e populações); Temporalidade (a exposição deve preceder o efeito observado); Gradiente biológico (maiores exposições levam a efeitos mais intensos); Plausibilidade biológica (existência de mecanismos que expliquem a relação); Especificidade (a exposição está fortemente ligada a um único efeito); Evidência experimental (resultados de estudos laboratoriais ou experimentais que confirmem a relação).

Desafios na Determinação da Causalidade — Simon Maechling, químico e gerente de Inovação e Tecnologia da Bayer em Lyon, apresenta no gráfico abaixo uma simulação sobre o que seja correlação e causalidade e suas implicações, dependendo de como isso possa ser entendido e avaliado.

Os estudos epidemiológicos sobre pesticidas enfrentam desafios metodológicos, como a dificuldade de medir com precisão a exposição ao longo do tempo e a presença de múltiplos fatores ambientais que podem influenciar os resultados.

Embora a correlação entre exposição a pesticidas e certas doenças possa ser um indicativo de risco, apenas estudos bem conduzidos, que considerem fatores de confusão e utilizem critérios rigorosos de causalidade, podem confirmar se essa relação é causal. A distinção entre correlação e causalidade é essencial para a formulação de políticas públicas eficazes e para a proteção da saúde das populações expostas.

Não existem estudos brasileiros que tenham determinado com rigor científico que o glifosato causa câncer em pessoas expostas direta ou indiretamente ao herbicida. No entanto, há pesquisas internacionais que sugerem uma possível associação entre o glifosato e o desenvolvimento de câncer, especialmente em estudos com animais.

Um estudo publicado na revista Environmental Health estabeleceu um vínculo entre a exposição ao glifosato e o surgimento de câncer em ratos, particularmente leucemia. A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica o glifosato como “provável cancerígeno”, mas agências reguladoras europeias e norte-americanas ainda consideram o risco não crítico.

Em relação a possíveis efeitos dos fungicidas à base de mancozeb na saúde humana, um estudo publicado na Revista do Instituto Adolfo Lutz avaliou in vitro o efeito pró-inflamatório e oxidativo dos pesticidas mancozeb, clorotalonil e tiofanato metílico. Os resultados indicaram que esses pesticidas podem ativar o sistema imunológico, aumentando a proliferação celular e os níveis de citocinas pró-inflamatórias.

Porém, não existem estudos epidemiológicos ou clínicos específicos realizados no Brasil que estabeleçam uma correlação ou causalidade entre a exposição ao fungicida mancozeb e efeitos na saúde humana.

A associação entre um fator e um efeito não implica necessariamente causalidade. Para estabelecê-la, são necessários estudos epidemiológicos bem conduzidos, com controle de variáveis de confusão, análise de dose-resposta e mecanismos biológicos plausíveis. No caso do mancozeb, embora existam estudos internacionais que sugiram potenciais efeitos adversos, não há estudos epidemiológicos ou clínicos no Brasil que tenham determinado com rigor científico uma relação causal entre a exposição ao mancozeb e doenças específicas em humanos.

O Instituto Nacional de Câncer (INCA) se posiciona contra o uso de agrotóxicos no Brasil, destacando seus riscos à saúde, especialmente em relação ao câncer. No entanto, seu posicionamento se baseia no Princípio da Precaução, recomendando a redução progressiva do uso de agrotóxicos, sem necessariamente estabelecer causalidade direta entre exposição e câncer para cada substância específica.

O INCA considera que há forte associação epidemiológica entre a exposição ocupacional e ambiental a agrotóxicos e o desenvolvimento de alguns tipos de câncer, como leucemias, linfoma não Hodgkin, câncer de mama, próstata, bexiga e cérebro. Essa posição se alinha com estudos internacionais que indicam potenciais efeitos carcinogênicos de certos agrotóxicos, como o glifosato, pentaclorofenol, malationa, diazinona e 2,4-D, que foram classificados como prováveis cancerígenos pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC/OMS).

Embora o posicionamento do INCA seja baseado em evidências epidemiológicas, ele não estabelece causalidade direta para todos os agrotóxicos, pois o câncer é uma doença multifatorial. A recomendação de redução do uso de agrotóxicos segue uma abordagem preventiva, considerando os riscos potenciais e a necessidade de mais estudos para confirmar ou não relações causais específicas.

Essa aparente contradição entre o posicionamento do INCA e a manutenção do registro do glifosato por agências reguladoras como a Anvisa, a EPA (dos EUA) e a EFSA (da União Europeia) se explica por diferenças nos critérios de avaliação de risco e nas abordagens adotadas por instituições com finalidades distintas.

O INCA, como órgão de saúde pública voltado à prevenção do câncer, adota uma postura precaucionária (Princípio da Precaução), alertando para possíveis associações entre exposição a agrotóxicos e o desenvolvimento de câncer, mesmo quando a evidência científica não é conclusiva.

Já a Anvisa, assim como outras agências reguladoras internacionais, realiza avaliações técnico-científicas baseadas em critérios de risco, que consideram: Toxicidade intrínseca da substância; Níveis reais de exposição (ocupacional, dietética, ambiental); Evidências de causalidade em humanos e animais; Dados de monitoramento e uso seguro.

Na reavaliação do glifosato em 2020, a Anvisa concluiu que ele não apresenta características mutagênicas, teratogênicas, carcinogênicas, nem é desregulador endócrino, desde que utilizado conforme as recomendações.

Portanto, estabelecer correlação ou associação, no caso dos agrotóxicos (pesticidas), com possíveis efeitos na saúde humana, fica muito distante da causalidade se não existem estudos clínico-epidemiológicos realizados com rigor científico que possam comprovar a associação ou correlação sugerida somente em estudos epidemiológicos — muitos deles realizados em outros países, com realidades totalmente distintas da brasileira.

Por: Angelo Zanaga Trapé, Professor-doutor aposentado da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas (Unicamp) e membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS).| CCAS

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