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08/07/2025

STF impõe limite à redução do Reintegra, mas contribuintes ainda enfrentam insegurança jurídica

Decisão garante anterioridade nonagesimal, mas restringe recuperação de valores a quem já acionou o Judiciári.

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o Reintegra volta a acender o debate sobre os limites da atuação estatal na retirada de benefícios fiscais. No julgamento do Tema 1.108, com repercussão geral, a Corte fixou que a redução da alíquota do Reintegra deve respeitar a anterioridade nonagesimal, ou seja, só pode produzir efeitos 90 dias após sua publicação. A decisão, embora técnica, tem impactos práticos significativos para empresas exportadoras — especialmente aquelas que questionaram judicialmente a mudança promovida pelo Decreto 9.393/2018.

Criado pela Lei 12.546/2011, o Reintegra tem por objetivo ressarcir exportadores por tributos indiretos acumulados na cadeia produtiva. As alíquotas, definidas por decreto, variam de 0% a 3%. Em 2018, uma canetada do Executivo reduziu a alíquota vigente de 2% para apenas 0,1%, com efeitos quase imediatos — o decreto foi publicado em 30 de maio e entrou em vigor em 1º de junho. Para uma empresa que exportasse R$ 10 milhões, a restituição mensal despencaria de R$ 200 mil para R$ 10 mil. Uma perda abrupta de 95%.

Diante da mudança, muitos contribuintes recorreram ao Judiciário, alegando que a redução violava os princípios constitucionais da anterioridade tributária — mecanismos criados para proteger o contribuinte de cobranças inesperadas. A discussão girava, principalmente, sobre qual tipo de anterioridade se aplicaria: a anual ou a nonagesimal. O STF concluiu que o Reintegra, por ser um benefício atrelado à sistemática do PIS/Cofins, deve observar apenas a anterioridade nonagesimal, prevista no artigo 195, §6º da Constituição.

Ainda assim, é importante lembrar que as decisões são jurídicas, mas seus efeitos alcançam diretamente os cofres públicos. E aqui cabe uma crítica: nem sempre o que se decide com base no direito é, de fato, justo para o contribuinte. Ou seja, embora haja interpretações possíveis que sustentem a aplicação da anterioridade anual, essa linha traria um impacto fiscal ainda mais significativo ao erário.

A decisão reafirma a lógica constitucional de que, mesmo diante de uma redução de benefício — quando isso implica aumento indireto de carga tributária —, o contribuinte deve ser avisado com antecedência. Isso reforça a previsibilidade tributária e o princípio da não surpresa. Ainda assim, é importante destacar que o STF não estendeu os efeitos dessa decisão de forma automática a todos os contribuintes. Apenas quem já tinha ação judicial em curso poderá se beneficiar diretamente da devolução da diferença nas alíquotas aplicadas entre 30 de maio e 27 de agosto de 2018.

Ou seja, apesar do reconhecimento do direito, a reparação ficou condicionada ao tempo da reação do contribuinte. Essa limitação evidencia um dos grandes paradoxos da justiça fiscal brasileira: mesmo quando há respaldo legal e constitucional, o acesso ao direito depende da iniciativa e da capacidade de litigância.

A decisão também expõe uma tensão estrutural entre o que é juridicamente correto e o que é materialmente justo. Se é verdade que o STF seguiu a lógica do sistema tributário ao dispensar a anterioridade anual, também é fato que isso restringe ainda mais a proteção aos contribuintes em um ambiente de alta volatilidade normativa.

O episódio do Reintegra deixa uma lição clara: em tempos de instabilidade fiscal, segurança jurídica é um ativo estratégico. Empresas que atuam com assessoria técnica preventiva e postura proativa tendem a evitar prejuízos e garantir maior previsibilidade em suas operações. Não basta conhecer o direito — é preciso exercê-lo com tempestividade.

Por: Salwa Nessrallah, especialista em Direito Tributário pelo IBET, membro da Comissão de Direito Tributário da OAB de Ribeirão Preto/SP e advogada na Evoinc.