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08/07/2025

O Brasil dos milionários invisíveis

Por que tanta riqueza não se transforma em empregos de qualidade?.

O Brasil está diante de um paradoxo econômico sem precedentes. O Global Wealth Report 2025 (UBS) revela que nosso país será o segundo maior mercado de transferência intergeracional de riqueza do mundo, com impressionantes US$ 9 trilhões circulando entre gerações até 2049. Ao mesmo tempo, continuamos sendo uma das nações mais desiguais do planeta, com índice Gini (medida que vai de 0 a 1 e mostra o nível de desigualdade de renda em um país – quanto mais próximo de 1, mais concentrada está a riqueza nas mãos de poucos) de 0,82 para distribuição de riqueza, de acordo com o IBGE, 2024, atrás apenas de alguns países africanos em disparidade social.

Para entender o que esses números significam na prática, imagine um condomínio fechado onde 5 moradores detêm 82% de toda a riqueza, enquanto os outros 95 dividem os 18% restantes. Essa é a dura realidade brasileira, onde 28% da população sobrevive com menos de R$ 350 por mês segundo dados do Banco Mundial, 2024, valor insuficiente até mesmo para a cesta básica em muitas cidades.

O relatório da UBS identifica um grupo peculiar nesse cenário: os EMILLIs (Everyday Millionaires), ou também conhecidos como “milionários do dia a dia”, abrangendo cerca de 250 mil brasileiros com patrimônio entre US$ 1 milhão e US$ 5 milhões (R$ 5 a R$ 25 milhões) que, diferentemente dos bilionários mais conhecidos, passam despercebidos no cotidiano. Esse grupo inclui desde donos de redes de franquias regionais até médicos especializados com consultórios próprios e herdeiros de famílias com imóveis valiosos.

Mas há um problema crucial: enquanto esses milionários invisíveis multiplicam seus investimentos em imóveis de luxo e aplicações no exterior, o Brasil patina na geração de empregos de qualidade. O Caged registrou 2,2 milhões de novas vagas formais em 2024, mas 60% dos pequenos empreendedores, justamente os que mais empregam no país, travam na falta de crédito acessível, pagando juros médios de 3,5% ao mês, segundo dados do Sebrae, 2024, ou seja, sete vezes mais que as grandes corporações.

A educação profissional é outra vítima desse desequilíbrio. Enquanto na Polônia o investimento em ensino técnico (2,1% do PIB) ajudou a reduzir a desigualdade em 15% em uma década, o Brasil aplica apenas 0,9% do PIB nessa área. O resultado? Apenas 15% do patrimônio dos jovens brasileiros está em ativos financeiros (contra 31% nos EUA), limitando suas chances de mobilidade social.

O Brasil tem uma chance única de mudar seu mercado de trabalho. Nos próximos anos, US$ 9 trilhões serão herdados por famílias brasileiras – dinheiro que poderia criar milhões de empregos se for investido direito. Se implementadas de forma consistente, essas medidas têm o potencial de revolucionar a economia brasileira em um prazo de cinco anos, de acordo com o relatório da UBS. A participação das PMEs no PIB nacional poderia saltar em 30%, fortalecendo o tecido produtivo do país e reduzindo a dependência de grandes corporações. Paralelamente, 4 milhões de novos empregos técnicos seriam criados, com remuneração 2,5 vezes superior à média atual, elevando padrões de vida e movimentando a economia local. Na frente social, o índice de Gini – termômetro da desigualdade – poderia cair para 0,72, aproximando o Brasil de patamares menos desiguais, como os da Argentina (0,69) e do México (0,75).

Esses avanços representariam um salto qualitativo na distribuição de oportunidades, mostrando que é possível conciliar crescimento econômico com redução das disparidades sociais, desde que haja vontade política e investimentos estratégicos. O momento é de decisão: continuaremos sendo o país onde poucos acumulam fortunas enquanto milhões lutam por empregos dignos, ou aproveitaremos essa histórica transferência de riqueza para construir um desenvolvimento mais justo? A resposta dependerá não apenas de políticas econômicas, mas da capacidade de transformar riqueza herdada em oportunidades compartilhadas.

Por: David Braga, CEO, board advisor e headhunter da Prime Talent, empresa de busca e seleção de executivos, presente em 30 países e 50 escritórios pela Agilium Group. É presidente da ABRH-MG, conselheiro de Administração e professor pela Fundação Dom Cabral, presidente do Conselho de Administração do ChildFund Brasil e VP do Conselho de RH da ACMinas. | Instagrams: @davidbraga | @prime.talent