O impacto do Recurso Especial escolhido pelo STJ como representativo de controvérsia.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao admitir o Recurso Especial nº 2.209.895/SP como representativo de controvérsia, reacende o debate sobre a penhora de faturamento em execuções cíveis. A matéria, velha conhecida dos juristas, permanece sensível por envolver o equilíbrio entre a efetividade da execução e a preservação da atividade empresarial.
O cerne da controvérsia reside na possibilidade de aplicar a penhora sobre o faturamento da empresa, mesmo quando outras formas de constrição ainda não tenham se esgotadas. O Código de Processo Civil (CPC), ao estabelecer a ordem preferencial para a penhora de bens (art. 835), coloca a penhora de faturamento da empresa devedora em décimo lugar.
No entanto, a dúvida que surge neste caso é se essa ordem pode ser flexibilizada, especialmente em situações que envolvem empresas em dificuldades financeiras, onde a continuidade das suas atividades empresariais pode estar em risco. O entendimento a ser firmado pelo STJ, ao analisar esse recurso como representativo de controvérsia, poderá definir os limites e a aplicabilidade da referida medida.
O recurso especial interposto questiona a decisão que autorizara a penhora de faturamento de uma empresa, sem a prévia tentativa real de localizar outros bens da empresa devedora.
Para que a penhora de faturamento seja cabível, outras formas de localização de bens devem ser adotadas pelo exequente, justamente, para evitar que a execução se torne excessivamente onerosa para o executado. Ainda, não basta apenas o esgotamento da tentativa de localização dos bens elencados nos incisos I a IX do art. 835 do CPC, mas, também, o cumprimento dos requisitos abaixo elencados:
Comprovação de inexistência de outros bens passíveis de garantir a execução ou sejam os indicados de difícil alienação;
Nomeação de administrador, ao qual incumbirá a apresentação das formas de administração e pagamento e;
Fixação de percentual que não inviabilize a atividade econômica da empresa (princípio da menor onerosidade).
Nesse contexto, é de suma importância destacar os ensinamentos de Humberto Theodoro Junior:
A penhora de percentual do faturamento figura em décimo lugar na ordem de preferência do art. 835, de sorte que havendo bens livres de menor gradação não será o caso de recorrer à constrição da receita da empresa, que, sem maiores cautelas, pode comprometer o seu capital de giro e inviabilizar a continuidade de sua normal atividade econômica. É por isso que se impõe a nomeação de um depositário administrador que haverá de elaborar o plano de pagamento a ser submetido à apreciação e aprovação do juiz da execução. Com isto, evita -se o comprometimento da solvabilidade da empresa executada
(…) Em outros termos, a penhora do faturamento, mesmo parcial, não pode ser indiscriminada e nunca se fará mediante simples ordem judicial para recolher determinado percentual em conta judicial, “sem se dar conta que, sem o seu capital de giro, para manter as suas atividades, a empresa ou estabelecimento não tem a menor condição de sobreviver no mercado”.
É importante destacar que a aplicação da penhora de faturamento tem sido deferida, reiteradamente, sem a devida observação e cumprimento do rito estabelecido no art. 866 do Código de Processo Civil.
Ou seja, frequentemente, os juízes deferem e fixam um percentual sobre o faturamento da empresa devedora sem a prévia realização da análise contábil por um administrador judicial. O que, de certa forma, contraria a exigência de que a medida deve ser feita com base em uma análise detalhada da real capacidade de pagamento da empresa, de modo que não prejudique seu regular funcionamento.
A inobservância da norma legal, além de afrontá-la, compromete a continuidade das atividades empresariais, e até mesmo, a recuperação do crédito perseguido na demanda executiva.
O referido dispositivo é claro ao estabelecer que a penhora de faturamento deve ser feita com muita cautela e de modo a não impedir as atividades da empresa devedora, pois embora a penhora de faturamento seja legalmente admitida, não deve performar de forma que coloque em risco o regular deslinde comercial da empresa executada.
O impacto da escolha do Recurso Especial nº 2.209.895/SP como representativo de controvérsia será imediato e abrangente, proporcionando segurança jurídica a todas as partes envolvidas em processos de execução e, principalmente, orientando os tribunais nacionais sobre como devem se posicionar em casos semelhantes.
Ainda que a execução deva tramitar visando o interesse do credor, os julgadores, no decorrer do exercício de sua jurisdição, não atendem somente aos interesses particulares do credor, devendo, também, ser preservados os direitos constitucionais e fundamentais do devedor. Por essa razão, não há espaço para interpretação contra legem e in malam partem, com base apenas na formalidade judicial de ver satisfeita a execução.
Dessa forma, com a realização da penhora de faturamento surge nítido conflito, uma vez que o credor tem o direito de ter seu crédito liquidado por meio da penhora, e por outro lado, o devedor que invoca o princípio da menor onerosidade para evitar a constrição judicial do bem que possa inviabilizar as suas atividades.
O princípio da preservação da função social da empresa, consagrado no artigo 170 da Constituição Federal, é um dos fundamentos centrais que orientam restrição à penhora de faturamento.
Assim, considerando o princípio da menor onerosidade e da preservação da função social da empresa, extrai-se da interpretação das normas que regem a matéria, que a medida deve ser reservada como ultima ratio, na hipótese de inexistência de outros bens aptos a satisfazer o crédito exequendo. Assim entendeu recentemente o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
Execução de Título Extrajudicial – Alegações de Excesso de Penhora E Pretensão de Afastamento da Penhora de Faturamento – Cabimento – Havendo bens imóveis penhorado nos autos da execução, a inexistência de provas reais acerca de sua insuficiência para quitação do débito revela prematuro o requerimento de reforço da penhora através da penhora de faturamento da empresa executada, sobretudo considerando que tal modalidade de penhora se trata de medida excepcional – Decisão reformada para desconstituir a penhora sobre faturamento – Decisão reformada – Recurso provido.
(TJ-SP – Agravo de Instrumento: 21157479020258260000 Jaboticabal, Relator.: Walter Fonseca, Data de Julgamento: 04/06/2025, 11ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 04/06/2025).
A jurisprudência do STJ, portanto, deverá esclarecer que a penhora de faturamento não pode ser decidida de forma automática ou genérica, mas exige uma análise detalhada das condições financeiras da empresa, bem como do impacto que a medida pode ter sobre sua capacidade de recuperação.
Conclui-se, portanto, que a escolha do Recurso Especial nº 2.209.895/SP como representativo de controvérsia representa um marco em uma possível nova interpretação e aplicação da penhora de faturamento dentro do sistema jurídico brasileiro. A Corte Superior terá a oportunidade de reafirmar os fundamentos do Tema nº 769/STJ, abordando sua aplicabilidade tanto no âmbito das execuções fiscais, regidas pela Lei nº 6.830/80, quanto nas relações de Direito Privado.
• Por: Murilo Mendes Latorre Soares, advogado no Granito Boneli Advogados, especialista em Direito Processual Civil e bacharel em Direito pela PUC- Campinas.| Granito Boneli Advogados — O Granito Boneli Advogados é um escritório formado por profissionais com ampla expertise em Direito Público e Privado, com foco em Direito Empresarial. Oferece assessoria jurídica personalizada e completa, projetada de acordo com as necessidades específicas de cada cliente, abrangendo diversos campos de atuação, como Crise Financeira e Recuperação Empresarial, Direito Tributário, Contratos Empresariais, Planejamento Patrimonial e Sucessório, Direito Imobiliário, Relações de Consumo e Direito Trabalhista. Reconhecido nacionalmente por diversas organizações de classificação técnica da advocacia e certificado pela ISO 9001, o escritório possui sede em Campinas (SP) e filiais em Cuiabá (MT), São Luís (MA) e Florianópolis (SC).