“Apenas alterei o rumo do olhar; antes, fixava um olho num fragmento do mundo exterior e acionava um botão. Agora é o olhar da reflexão que me interessa.” Trecho extraído do romance Relato de um Certo Oriente de Milton Hatoum.
Ao se verificar determinado grupo social se opondo, insubordinando-se, muitos analistas verão com dubiedade em consonância com a situação em que se encontram, ou seja, por vezes apoiam a posição e o sentimento de insubordinação, mas, também, podem condenar, ao argumento de que entendida como aceitável daria margem ao seu crescimento e manutenção. Sistemas de dominação e quem lhe dá suporte buscará justificativas para sua normalidade e aceitação, logo, insurgências contra aqueles sistemas são inaceitáveis sob a ótica de quem está no poder e quem com ele compactua, no mínimo por suscitar dúvidas quanto ao próprio sistema. O impensável não se pode ou, às vezes, não se deseja efetivamente conceber, dentro do escopo existente de alternativas postas – ou impostas -, em razão do que direcionam questões formuladas ou forma pela qual são formuladas.
Reconhece-se direito a insurgência contra situação de opressão ou de um regime opressor no âmbito internacional, clama-se, a princípio, contra situação cruel impostas a seres humanos, mas não se faz ou fará algo concreto. Buscam-se justificativas para ações de um regime opressor, que até possa dizimar vidas, conforme o interesse de cada um. O debate político ou filosófico, acerca de determinada situação que aflige certa população em situação de vulnerabilidade, ocorre na retórica e reativamente, admitindo-se a imprevisibilidade ou de já estar consumado. Outros negarão mesmo a luz de fatos comprovadamente ocorridos e trazidos a lume pelos modernos e instantâneos meios de comunicação, tentando descrevê-las como triviais ou já corroídas por si só de direitos ou importância, criando discursos ou fórmulas de banalização de condições impostas ao ser humano por outro ser humano.
Presentes hoje como no passado mazelas sociais que, por ignorância ou maledicência, são negadas por alguns que se põem a criar argumentos nesse sentido. O colonialismo admitido hoje por razões de autodefesa ou combate a divergentes e ou perigosas ideologias; a xenofobia e racismo exacerbados; a escravidão e a limpeza étnica justificadas, como no passado, pela superioridade de uma raça ou povo sobre outro em razão de diferenças sociais, culturais ou religiosas. Levados a termo, como no passado, pelo uso da força militar hoje sob o escudo da autodefesa ou combate ideológico. Quanto menor for a importância dada a esses fatores, tanto menor será a relevância de situações degradantes impostas aos seres humanos subjugo de outrem, tornando-a secundária.
Relativiza-se autonomia, autodeterminação dos povos, de preceitos que lhes são caros e inerentes desde remotos tempos. As vezes há fugaz consternação ou generosidade política e até protestos protocolares, mas sempre sufocados por interesses subjacentes, ou seja, o poder político, econômico ou bélico aniquila pretensas defesas de direitos objetivos e subjetivos do ser humano. Não se permitem reformulações de situações aflitivas mundiais, em que pesem avanços formidáveis alcançados. O certo é que o valor pleno de uma vida deve perpassar pelo respeito e consciência da necessidade de que todos devam gozar plenamente do que efetivamente são ou desejam ser no meio ao qual se inserem.
• Por: Menildo Jesus de Sousa Freitas. Professor. Contador. Mestre em Contabilidade. Membro da Academia Mineira de Ciências Contábeis. Perito Contador Aposentado do Ministério Público da União.