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17/06/2025

Do Alpes ao Brasil: estruturação jurídica como alicerce para o sucesso do capital suíço no Brasil

Nos últimos anos, o Brasil vem se consolidando como um destino estratégico para investimentos suíços. A diversidade econômica, a abundância de recursos naturais e a crescente demanda por soluções sustentáveis criam um ambiente fértil para a atuação de empresas suíças — reconhecidas globalmente por sua excelência em setores como agronegócio, tecnologia e finanças.

Exemplos concretos ilustram essa aproximação. A EuroChem, gigante do setor de fertilizantes, inaugurou uma planta em Minas Gerais com investimento superior a US$ 1 bilhão, que atenderá a cerca de 15% da demanda nacional por fosfato. Ao reduzir a dependência de importações, a operação fortalece a segurança alimentar brasileira e cria sinergias com cadeias globais de suprimento.

Na área ambiental, a Mercuria, em parceria com a Silvania, lançou o programa “Race to Belém”, com aporte inicial de US$ 1,5 bilhão. A iniciativa, voltada à preservação da Amazônia e à geração de créditos de carbono, incorpora governos locais, agricultores e comunidades indígenas — demonstrando o potencial do Brasil como polo de investimentos verdes com impacto social.

A Syngenta, por sua vez, implementou o programa Reverte, em colaboração com a The Nature Conservancy, visando restaurar um milhão de hectares de pastagens degradadas no Cerrado até 2030. Já a Nestlé anunciou R$ 1 bilhão em investimentos no Brasil até 2026, voltados à expansão da produção da linha Nescafé, buscando atender à crescente demanda por cafés premium.

Essas iniciativas revelam não apenas a diversidade dos setores de interesse, mas também a necessidade de estruturações jurídicas e financeiras sofisticadas, capazes de mitigar riscos e maximizar o retorno de capital estrangeiro. Nesse contexto, duas estratégias vêm se destacando: Leveraged Buyouts (LBOs) e Debt Capital Markets (DCMs) — especialmente por meio da emissão de debêntures.

O LBO, mecanismo de aquisição financiado em grande parte por dívida, é frequentemente estruturado no Brasil por meio de Fundos de Investimento em Participações (FIPs). Essa estrutura permite que investidores estrangeiros adquiram empresas locais com alavancagem otimizada e governança institucionalizada, o que contribui para mitigar riscos e aumentar o controle estratégico.

Já o DCM corresponde ao mercado de capitais de dívida, no qual empresas emitem debêntures para captar recursos diretamente com investidores institucionais. No Brasil, essas operações são reguladas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e oferecem flexibilidade e eficiência, sobretudo quando vinculadas a projetos de infraestrutura ou sustentabilidade.

A convergência entre o apetite de investidores suíços e os instrumentos disponíveis no Brasil é particularmente promissora quando se observa o crescente protagonismo dos critérios ESG (ambientais, sociais e de governança) nas decisões de alocação de capital. Operações estruturadas via LBO ou DCM tornam-se ainda mais atrativas quando os recursos são destinados a projetos com finalidade verde — como reflorestamento, agricultura regenerativa, energias renováveis ou economia circular.

De acordo com relatório publicado por uma das Big Four em 2024, os ativos sustentáveis superaram a marca de US$ 30 trilhões no mundo, com crescimento anual de dois dígitos. A Suíça, sendo um dos principais centros globais de wealth management e finanças sustentáveis, ocupa posição central nessa tendência. O Swiss Sustainable Finance Report 2024 revelou que 65% dos investidores institucionais suíços priorizam ativos com selo verde ou aderentes à EU Taxonomy, o que reforça o potencial do Brasil como destino de capital sustentável.

No plano jurídico-tributário, o Brasil tem avançado. A Lei nº 12.431/2011, que regula as debêntures incentivadas, passou a incluir expressamente projetos de transição energética e preservação ambiental como elegíveis. Isso permite que emissores brasileiros ofereçam títulos com isenção de imposto de renda para investidores estrangeiros — uma vantagem relevante para gestoras suíças que buscam ativos com retorno líquido competitivo.

Mais que eficiência financeira, essa estruturação gera repercussões comerciais estratégicas. Produtos brasileiros oriundos de cadeias produtivas sustentáveis têm maior aceitação — e até preferência tarifária — em mercados regulados como a União Europeia. A partir de 2026, o Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM) entrará em vigor, impondo tributos ambientais sobre importações provenientes de países com menor controle climático. Empresas brasileiras que consigam demonstrar rastreabilidade ambiental — por meio de relatórios compatíveis com o CBAM — estarão em posição vantajosa na exportação de soja, celulose, carne, café e aço.

Essa vantagem competitiva se amplifica quando o investimento é estruturado como LBO ou DCM com foco em setores como florestas, biotecnologia, energias limpas e agroindústria sustentável. Investidores suíços — incluindo bancos privados, independent asset managers e family offices — têm intensificado sua busca por ativos brasileiros com esse perfil. Além da alavancagem do retorno, a estrutura de LBO permite participação ativa em conselhos de administração e comitês ESG, ampliando a capacidade de influência e controle estratégico.

O ambiente institucional também caminha na direção certa. O BNDES e o Ministério da Fazenda vêm estruturando plataformas de certificação de títulos verdes e mecanismos de garantias parciais para emissões sustentáveis, reduzindo o custo de capital para o investidor estrangeiro. Segundo o Green Finance Platform da Universidade de Zurique, iniciativas de de-risking institucional são essenciais para viabilizar o fluxo de capitais europeus em direção a países emergentes — e o Brasil, com seu patrimônio natural incomparável, é protagonista potencial dessa agenda.

Em síntese, LBOs e DCMs não são apenas instrumentos financeiros — são alavancas para uma integração estratégica entre capital estrangeiro e desenvolvimento sustentável brasileiro. Quando estruturadas de forma responsável e com visão de longo prazo, essas operações se tornam o elo mais promissor entre a excelência financeira suíça e o potencial verde do Brasil. A colaboração entre assessores jurídicos e financeiros de ambos os países é, portanto, decisiva para identificar oportunidades, reduzir riscos e fortalecer uma nova geopolítica econômica baseada na sustentabilidade.

Por: Lucas Moreira Gonçalves, sócio do Martinelli Advogados e Head de Mercado de Capitais e M&A.