paulo-duarte

03/06/2025

Fim do PERSE e anterioridade

Um dos assuntos mais discutidos nas últimas semanas em matéria tributária tem sido a extinção do Programa Emergencial de Recuperação do Setor de Eventos (“PERSE”) em decorrência de ter sido atingido o limite de R$ 15 bilhões, estabelecido como custo fiscal máximo para o Programa nos meses de abril de 2024 a dezembro de 2026.

Apenas para contextualização, o PERSE foi instituído com o objetivo de recuperação econômica do setor de eventos, altamente impactado pela pandemia da COVID-19. O texto aprovado no Congresso Nacional previa tanto um programa de regularização de débitos, como a redução a 0 das alíquotas de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS pelo prazo de 60 meses, no entanto, a redução das alíquotas foi vetada pelo Poder Executivo. Posteriormente, o Congresso Nacional derrubou o veto presidencial e a redução das alíquotas passou a valer a partir de março de 2022.

Considerando o alto impacto arrecadatório do PERSE, foram editados diversos atos normativos (Portarias do Ministério da Fazenda, Instruções Normativas da Receita e Leis) com o objetivo de restrição do alcance do Programa, seja no âmbito dos contribuintes e setores abrangidos, seja das receitas, culminando com a edição da Lei 14.859/2024, que previu o teto de R$ 15 bilhões.

Para facilitar a análise, reproduzimos abaixo o art. 4º-B da Lei 14.148/2021, introduzido pela Lei 14.859/2024, lembrando que o benefício do art. 4º é o da redução das alíquotas a 0:

Art. 4º-A. O benefício fiscal estabelecido no art. 4º terá o seu custo fiscal de gasto tributário fixado, nos meses de abril de 2024 a dezembro de 2026, no valor máximo de R$ 15.000.000.000,00 (quinze bilhões de reais), o qual será demonstrado pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil em relatórios bimestrais de acompanhamento, contendo exclusivamente os valores da redução dos tributos das pessoas jurídicas de que trata o art. 4º que foram consideradas habilitadas na forma do art. 4º-B desta Lei, com desagregação dos valores por item da CNAE e por forma de apuração da base de cálculo do IRPJ, sendo discriminados no relatório os valores de redução de tributos que sejam objeto de discussão judicial não transitada em julgado, ficando o benefício fiscal extinto a partir do mês subsequente àquele em que for demonstrado pelo Poder Executivo em audiência pública do Congresso Nacional que o custo fiscal acumulado atingiu o limite fixado.

Como se vê, a extinção do Programa foi prevista para o mês subsequente ao da demonstração do atingimento do custo fiscal de R$ 15 bilhões. O restabelecimento das alíquotas, ainda que não imediato, foi previsto para o mês subsequente, o que veio a ocorrer por meio da publicação do Ato Declaratório Executivo RFB nº 2, de 21 de março de 2025, em que demonstrado o atingimento do custo fiscal e o restabelecimento das alíquotas de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS para as empresas do setor de eventos a partir de abril de 2025. Considerando se tratar de um aumento de tributos, surge a dúvida a respeito da necessidade de observância às regras constitucionais de anterioridade.

Mais uma vez com o intuito de facilitar a análise, vejamos o que preveem os artigos que tratam da anterioridade, destacando que o IRPJ está sujeito à anterioridade anual e a CSLL, o PIS e a COFINS estão sujeitos à anterioridade nonagesimal:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…)

III – cobrar tributos: (…)

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;

c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;

Art. 195 (…)

§ 6º As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, “b”.

Como se infere da redação dos dispositivos constitucionais, é vedada a cobrança de tributos no mesmo exercício em que publicada a lei que os aumentou (IRPJ) ou antes de 90 dias da data da publicação da lei que os aumentou (CSLL, PIS e COFINS).

Em uma análise superficial, considerando que a Lei nº 14.859 foi publicada em 23/05/2024, o restabelecimento das alíquotas, tanto do IRPJ, como da CSLL, PIS e COFINS observaria as regras de anterioridade mencionadas acima. No entanto, um ponto que deve ser discutido é se o aumento de tributo, para os fins da anterioridade, foi instituído pela Lei 14.859 ou pelo Ato Declaratório Executivo RFB nº 2/2025.

Em outras palavras: a dúvida que se quer responder é se seria possível o restabelecimento imediato das alíquotas dos tributos federais, com base em lei publicada em 2024 prevendo somente que as alíquotas de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS seriam eventualmente restabelecidas – ainda que condicionadas a um evento futuro e incerto. Ou os prazos de anterioridade deveriam ser contados somente a partir da ocorrência do evento futuro e incerto – no caso o atingimento do limite de R$ 15 bilhões devidamente publicizado por meio do ADE RFB nº 02/2025?

Para responder ao questionamento, importante interpretar as regras de anterioridade sob a ótica de sua finalidade: dar concretude ao princípio da segurança jurídica, especialmente pelo viés da previsibilidade.

Nesse sentido, em recente julgamento, pelo STF, do RE 1473645 (Tema nº 1.383 da Repercussão Geral), em que se discutia sobre a necessidade de observância às regras da anterioridade na revogação de benefícios fiscais, o Ministro Roberto Barroso fez referência a voto anterior proferido no julgamento do RE 564.225-AgR, em que esclareceu que:

“A concepção de anterioridade que me parece mais adequada é aquela afeta ao conteúdo teleológico da garantia. O princípio busca assegurar a previsibilidade da relação fiscal ao não permitir que o contribuinte seja surpreendido com um aumento súbito do encargo, confirmando o direito inafastável ao planejamento de suas finanças. O prévio conhecimento da carga tributária tem como fundamento a segurança jurídica e como conteúdo a garantia da certeza do direito”.

Tomando por base o objetivo de permitir o planejamento financeiro dos contribuintes, a incerteza quanto ao momento em que seria atingido o limite do custo fiscal de R$ 15 bilhões permaneceu existindo após a publicação da Lei nº 14.859, impedindo os contribuintes de planejar devidamente suas despesas. Ninguém sabia quando seria atingido o custo de R$ 15 bilhões e, por consequência, em que mês as alíquotas de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS seriam restabelecidas

Deve-se sempre rememorar que as regras de anterioridade, assim como as outras garantias previstas nos artigos 150, 151 e 152 da Constituição, são limitações ao poder de tributar dos entes federativos, não podendo a União (no caso específico do PERSE) se esquivar dos ônus que lhe são impostos de transparência, publicidade e não surpresa na tributação, atribuindo ao contribuinte a obrigação de antecipar ou estimar o momento em que seriam restabelecidas as alíquotas do IRPJ, da CSLL, do PIS e da Cofins.

Por isso, a simples expectativa de fim do PERSE em decorrência da Lei 14.859 não é suficiente para que se atenda à exigência de previsibilidade que as regras constitucionais de anterioridade tributária buscam proteger, o que faz com que seja questionável o pretendido restabelecimento imediato da cobrança de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS das empresas do setor de eventos.

Por: Paulo Duarte, sócio do Stocche Forbes Advogados.