wania-santanna

13/05/2025

A interseccionalidade como estratégia para superar os desafios das mulheres negras

No ambiente corporativo.

Entender os elementos que influenciam a experiência humana na sociedade é a chave para lidar com as complexidades do mundo contemporâneo.

A interseccionalidade tem sido um conceito frequentemente utilizado para articular as múltiplas identidades presentes em uma pessoa ao longo de sua vida — como cor/raça/etnia, idade, gênero, nacionalidade, classe social, identidade de gênero e orientação sexual —, e é uma ferramenta poderosa para compreender e enfrentar os desafios vivenciados por mulheres negras no ambiente corporativo e mercado de trabalho de uma forma geral. Mulheres que, historicamente, vivem em constante tensão entre a invisibilidade e a hipervisibilidade, são muitas vezes ignoradas em espaços de decisão e, ao mesmo tempo, sobrecarregadas por expectativas desumanas ou desumanizantes.

Diversos estudos apontam que as mulheres negras vivenciam formas específicas de discriminação, que não podem ser plenamente compreendidas a partir de perspectivas isoladas de gênero ou de raça. Como bem afirma a socióloga afro-americana Patricia Hill Collins, “o racismo e o sexismo não apenas sustentam desigualdades sociais, como também contribuem para a exclusão de pessoas e grupos que não se enquadram facilmente em categorias únicas de identidade”. Em sua obra Bem Mais Que Ideias: A interseccionalidade como teoria social crítica, Collins argumenta que compreender a interseccionalidade envolve reconhecer que as diferentes características que compõem um indivíduo devem ser consideradas de forma conjunta, especialmente pelos perfis da diversidade humana que evidenciam como as opressões se manifestam de maneiras distintas para diferentes pessoas.

A exclusão de mulheres negras em cargos de liderança no Brasil é uma expressão concreta dessa interseção de desigualdades. Segundo dados do IBGE (2022), apenas 4,7% dos cargos gerenciais no país são ocupados por mulheres negras. Quando cruzamos esse dado com a magnitude e amplitude da População Economicamente Ativa, estima-se que elas representem menos de 0,5% da força de trabalho em posições de comando, algo em torno de 495 mil mulheres negras em todo o país.

Esse olhar interseccional também é necessário quando pensamos nas mulheres trans, especialmente as mulheres negras trans. Dados da plataforma To.gather (2023) mostram que pessoas trans representam apenas 0,38% dos trabalhadores no Brasil e sua presença em cargos de liderança é mínima. Ou seja, esses indicadores reforçam a complexidade e a necessidade de atenção ao abordar e tratar essas questões.

Ao reconhecer a interseccionalidade como um conceito inclusivo estratégico, as empresas podem adotar políticas mais justas, acolhedoras, inovadoras e que realmente façam a diferença no que diz respeito aos resultados alcançados. E isso não se trata apenas de criar cotas ou ter núcleos específicos de DEI dentro das organizações, mas elaborar e implementar medidas capazes de gerar mudanças estruturais que considerem a experiência singular de cada profissional e reconheçam seu contexto social, sua identidade e as barreiras que enfrentam.

Para realizar essas mudanças estruturais, é necessário construir espaços de acolhimento, fomentar a escuta ativa e valorizar os processos de desenvolvimento da identidade negra. O Pacto de Promoção da Equidade Racial promove e incentiva a elaboração de iniciativas voltadas à igualdade de gênero, produzindo impacto no mercado corporativo ao enfrentar barreiras estruturais históricas e construir pontes por meio de ações institucionais. Entre seus exemplos de atuação estão o coletivo e fórum Pacto das Pretas e o programa de capacitação Pacto Transforma — voltado à formação de executivas negras. Essas iniciativas demonstram como a coletividade se revela um caminho de resistência, afirmação e resultados, atuando desde a capacitação profissional até o cuidado com a saúde mental e a criação de redes de apoio.

Ao romper com a lógica de generalização da experiência feminina e da meritocracia que ignora a dimensão da desigualdade racial, a interseccionalidade se firma como ferramenta indispensável para promover equidade e justiça no ambiente corporativo.

Por Wania Sant’Anna, presidente do Conselho Deliberativo do Pacto de Promoção da Equidade Racial.