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29/04/2025

O desafio de transformar pesquisa em politicas públicas eficazes

Num país onde os desafios sociais, econômicos e estruturais se acumulam, a formulação de políticas públicas eficazes se torna não apenas uma necessidade, mas um imperativo. O Brasil, embora tenha criado e desenvolvido centros de pesquisa altamente qualificados, ainda enfrenta obstáculos significativos na transformação do conhecimento científico em soluções concretas para a sociedade.

Nesse contexto, o trabalho do Centro de Estudos da Ordem Econômica (CEOE), vinculado à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), desponta como um exemplo de como a academia pode – e deve – atuar de forma estratégica na construção de políticas públicas baseadas em evidências, superando entraves históricos e culturais. Entre suas principais frentes de atuação estão os estudos em economia da saúde e avaliação de impacto de doenças crônicas, regulação e concorrência em serviços essenciais como saneamento, jurimetria para entender o impacto de decisões judiciais sobre políticas públicas, e análise de modelos de governança e parcerias público-privadas.

Um dos principais gargalos do investimento público em políticas eficazes está justamente na desconexão entre produção acadêmica e aplicação prática. Embora o Brasil ocupe a 24ª posição mundial em número de registros de patentes e a 15ª em capital investido em pesquisa e desenvolvimento (P&D), a eficiência desses investimentos conta uma história bem diferente. Quando se analisa o retorno efetivo em inovação, o país despenca para a 45ª posição no ranking global. É um sinal claro de que, apesar dos esforços e recursos mobilizados, o retorno social e econômico das políticas de incentivo à inovação ainda é insatisfatório.

Esse cenário é agravado por uma certa resistência à aproximação entre instituições acadêmicas, setor empresarial e sociedade, como se essa colaboração fosse algo ilegítimo ou contrário ao espírito público da universidade. No entanto, é justamente essa barreira cultural que precisa ser superada. Para que os investimentos em P&D deixem de ser apenas números em planilhas e passem a gerar impacto real na vida das pessoas, é fundamental que as pesquisas desenvolvidas no ambiente universitário estejam conectadas com as demandas da sociedade e com as possibilidades de aplicação prática.

Nesse contexto, o papel do Direito nas políticas públicas é central e estratégico. Não se trata apenas de criar normas, mas de construir marcos legais e estruturas de governança que garantam direitos fundamentais, estabeleçam parâmetros claros para a atuação do Estado e assegurem transparência, eficiência e justiça na aplicação dos recursos públicos. A efetivação das políticas públicas depende, em grande parte, de um ambiente jurídico sólido, que permita o planejamento de longo prazo, reduza incertezas institucionais e garanta segurança jurídica para parcerias, contratos, regulações e investimentos.

O Direito, portanto, é um instrumento de mediação entre os interesses sociais e a ação estatal — e seu uso qualificado é essencial para que políticas públicas saiam do papel e se tornem realidade. Outro avanço importante é o de insistir na simplificação de procedimentos e regulações que historicamente limitam a cooperação entre universidade pública e setor produtivo.

Neste sentido, a regulação por meio de decreto do Marco da Inovação abriu a possibilidade de encomendas diretas de projetos tecnológicos por parte dos ministérios às universidades, promovendo maior segurança jurídica e eficácia na condução de projetos de inovação, e prometendo forte redução na burocracia. Esse marco, entretanto, carece ainda de maior detalhamento e da consolidação de entendimentos jurídicos que possam trazer confiança entre as partes e que garantam, sobretudo, as prerrogativas de pesquisadores e docentes.

O trabalho do CEOE representa uma resposta prática a essa contradição brasileira: temos conhecimento e recursos, mas carecemos de um modelo de governança que valorize a aplicação desses ativos em benefício do bem comum. Ao propor uma atuação conectada com a realidade, comprometida com a inovação e aberta ao diálogo entre setores, o centro demonstra que a universidade pública pode – e deve – liderar transformações de impacto.

As necessidades atuais do país em políticas públicas são numerosas e urgentes. O aumento das desigualdades sociais, os desafios no acesso à saúde, à educação de qualidade, à segurança pública e à moradia digna continuam a exigir ações coordenadas, planejadas e sustentáveis. O envelhecimento da população brasileira, por exemplo, exige políticas específicas para saúde preventiva, atenção básica e inclusão produtiva. Ao mesmo tempo, o crescimento de doenças crônicas e o avanço de epidemias regionais pressionam o sistema de saúde e evidenciam a importância da gestão eficiente dos recursos públicos.

No campo econômico, o Brasil precisa de políticas públicas que estimulem a inovação, a geração de empregos qualificados e o fortalecimento da economia verde. O país possui enorme potencial em bioeconomia, energias renováveis e tecnologias sociais, mas carece de mecanismos que conectem a produção científica às demandas do mercado e da sociedade. Além disso, as transformações no mundo do trabalho, impulsionadas pela digitalização e pela inteligência artificial, exigem políticas de requalificação profissional e educação tecnológica que dialoguem com o futuro.

É urgente que as pesquisas realizadas dentro das universidades brasileiras se traduzam em progresso social, sem descurar de seu papel no avanço da pesquisa básica. Caso contrário, mesmo com altos investimentos em ciência e tecnologia, o Brasil não conseguirá assumir uma posição de liderança em inovação. Para avançar, é preciso romper com a visão de que a academia deve se manter isolada do setor produtivo e da sociedade como um todo. O futuro das políticas públicas, da inovação e do próprio desenvolvimento nacional depende dessa conexão estratégica.

Por: Ivan Ribeiro, Coordenador e Pesquisador Principal do Centro de Estudos da Ordem Econômica (CEOE)e Fellow da Society dor Empirical Legal Studies (SELS). Professor de Direito e Políticas Públicas da Universidade Federal de São Paulo, Campus Osasco,